Eu, o exorcista. Coisas que só acontecem comigo - XLVI
Eu, o exorcista.
Este foi, é e será sempre um assunto muito delicado. A Santa Sé Católica até elaborou um manual sobre isso e não é qualquer sacerdote que pode exercer tal ofício e nem pode exercer por sua livre vontade, sem uma expressa autorização do bispo. Talvez, o possa, talvez, numa emergência, mas não estou assumindo responsabilidades sobre minha afirmação.
O filme de roteiro adaptado do livro O Exorcista, do escritor estadunidense William Peter Blatty, publicado em 1971, que foi um enorme sucesso internacional, causou-me um grande mal-estar psicológico. Eu nem sei porque me meti a ver tal película. Fiquei, sobremaneira, comovido pelo roteiro.
Havíamos percorrido pouco mais de duas décadas. Estávamos no ano de 1992 e nossa Paróquia recém criada, quando surgiu, aqui, em Aracaju, um caso estranho, de passível possessão demoníaca, sobre uma menina de aproximadamente 15/16 anos.
Segundo o que foi dito, os familiares pediram socorro ao então Arcebispo, Dom Luciano José Cabral Duarte, após desistirem das fracassadas investidas de dois pastores Phd em expulsões de capetas. Dom Luciano, simplesmente, dissera que ele era teólogo e não demonólogo e indicou o Frei Miguel.
Frei Michelangelo de Cíngoli, ou apenas, Frei Miguel, era um frade capuchinho italiano, radicado em Aracaju, muito respeitado e santo homem. Só que, Frei Miguel disse que não era fermento para entrar nesse bolo. Não queria conversa com exorcismo, pois o diabo gostava de revelar em público os pecados dos padres. Contudo indicou o Padre Arnóbio, afirmando que seria tiro e queda!
Padre Arnóbio Patrício de Melo, de quem tantas vezes já falei, era um sacerdote de formação salesiana e pároco de nosso bairro.
A família que já estava desesperada com tantos " empurra com a barriga", ouviu do Padre Arnóbio que iria, mas não assim "apanhado no laço", teria que se preparar primeiro que isso não era brincadeira.
Você que está a ler-me, se prepare que lá vai treta…
Para minha infelicidade total, eu estava presente nessa hora, participando do desespero do pai da moça.
Quando o homem saiu a padre me falou:
-Moza, você vai comigo. Prepare-se.
Por esse tempo, eu era a pessoa mais próxima dele. Talvez em que ele depositasse seu maior grau de confiabilidade, porém, segundo meu pensamento, não precisaria exacerbar tanto. Inegavelmente, eu era a pessoa menos indicada para tamanha missão.
Ora, eu tinha medo até de escuro! Nunca escondi isso de ninguém. Para ser, explicitamente, sincero, o amor foi meu segundo motivo para casar, o primeiro era porque eu tinha medo de dormir só. Para complicar minha vida, ele perguntou:
-Você não vai me dizer que está com medo? Ou vai? Se tiver, fale que eu arranjo outra pessoa.
Foi o mesmo que me matar…
-Oxente, Padre! O senhor não está me reconhecendo? Eu sou cabra da peste! O senhor pode apostar como eu me embolo com esse diabo lá, vai ser tabefes e muxicões para todos os lados.
Marcamos para a quarta-feira seguinte e passou-me, pelo menos, quatro recomendações preparatórias que eu deveria seguir com rigor máximo.
De volta para casa, eu ia pensando no tamanho da encrenca na qual eu me havia metido. A essa altura do campeonato, o diabo já sabia que nós estávamos armando uma emboscada para pegá-lo e, por certo, já estava com seus chifres de molho. Lembrei-me de que eu poderia ser transformado em um "metal de sacrifício".
Metal de sacrifício, para quem não sabe o que é eletrólise, é a forma de desoxidação de um metal, por meio de corrente elétrica continua (pilhas) e água salgada. Só que a ferrugem passa de uma peça para a outra, chamada de metal de sacrifício, porque essa se sacrifica em benefício da anteriormente oxidada. Nessa comparação lógica, era como se eu me pusesse disposto a que o diabo passasse da moça para mim, que Deus me livre e guarde de tamanha atrocidade. Eu teria que ser uma pessoa divina, digna de um idêntico Prêmio Nobel no céu, coisa que não sou nem na terra.
Em outras vezes, eu já me vira, igualmente, posto como o bode expiatório veterotestamentário das Escrituras Sagradas e, agora, de forma explicitada.
Quantas vezes não imaginei simular uma doença para me livrar dessa incumbência. Apeguei-me com todos os Santos conhecidos…
Na terça-feira à noite, véspera da minha batalha campal, o telefone fixo tocou e quem atendeu me disse:
-O Padre Arnóbio que falar contigo.
- Avise-o que estou com com dois dias com desarranjo intestinal, caganeira, desinteria, febre amarela, dengue hemorrágica. Invente qualquer coisa…
- Não passo. Já disse que você está BBB: bem, bonito, disposto e corado!
Não dá para acreditar, cegamente, no amor das mulheres, realmente, não dá!
Peguei o telefone com a rapidez de uma lesma…
-Alô, Padre Arnóbio, boa noite!
- Oi, Moza, boa noite. Não será mais preciso nossa presença amanhã na casa da moça. Ela já está em boas mãos!
Nossa! Que alívio! Mas de súbito, um sentimento de constrangida perplexidade me assomou a alma e pondo a mão sobre o peito acelerado falei :
- O quê? A moça morreu?
- Não. Estou chegando de lá agora. Fui fazer uma checagem preliminar e, felizmente, não era o que se supunha. Parece-me mais distúrbios mentais, histeria, talvez. Já chamei um médico, meu amigo que esteve lá e ficou tudo encaminhado. Obrigado por sua sempre presente disponibilidade!
- Ok, Padre, o senhor pode contar com…com.. comigo.
Até hoje, passados quase quarenta anos, ainda não sei qual o Santo que me livrou dessa. São Bento, talvez.
São coisas que só acontecem comigo.