Eu e Lampião. - Coisas que só acontecem comigo - XLV

Eu e Lampião

Coisas que só

acontecem comigo - XLV

Lá pelos anos de 2013, eu fui realizar um trabalho de Aviventação de um terreno da Construtora Celi, que ficava por detrás do Campus de UFS, aqui em São Cristóvão, Sergipe.

Era um terreno muito grande, cercado de arame farpado, há mais de trinta anos. Aconteceu que, pela força do tempo e por ações de invasores, a cerca deixara de existir em muitos lugares e em outros o mato se condensara de tal maneira a não se reconhecer os limites.

Aviventação é um trabalho de topografia que visa reestabelecer a verdadeira área de terra, por meios de documentos lavrado em cartório, com a planta original e Memorial Descritivo, na reconstituição física do perímetro.

Nesse terreno, havia um morador pago pela construtora, que servia de vigia, mas como era de se esperar, esse trabalho era feito com muitas limitações pela insegurança do ambiente, impotência e preguiça do funcionário. Pelo menos, ele conhecia essa gleba e me serviu de guia em alguns momentos.

Conversa vai, conversa vem, os meus auxiliares acabaram por descobrir que esse vigia era, ou se dizia parente de Lampião. Primo, sabe-se lá donde, de quinta geração, mas que ele tinha muito orgulho disso e até carregava consigo uma boa carga de empáfia e presunçosa valentia, por conta do parentesco. Só que, o idiota que vos escreve não sabia nada disso.

Então, arrasta a cadeira, senta aí que lá vem causo!

Eu contava, nessa época, com cinco auxiliares e por gozação, em outras oportunidades, eles já tinham ouvido eu falar que, se eu fosse daqueles tempos, teria dado uma pisa em Lampião para ele deixar de ser petulante.

Certa vez, após o almoço, no último dia, já com os trabalhos concluídos e revisados, puxaram novamente esse papo das brabezas do Rei do Cangaço. Não deu outra!

Sem me dar conta do perigo, comecei a dizer que Lampião era um frouxo, que aquelas estórias eram invenções da galera para vender Cordéis, fazer filmes e ensaios novelescos.Que se eu topasse com ele lhe daria uns dois chutes na bunda para ele deixar de ser besta.Se ele era lampião, eu era holofote…

A essa altura, o tal vigia já estava fumaçando de raiva e pelo menos um dos meus trabalhadores, me cutucava com o cotovelo, para que eu me mancasse. Só que eu entendia que era para falar mais ainda.

-E tem mais, disse eu: que esse negócio de cabra andar garganteando era muito fácil quando se andava em bandos. Eu queria ver era "omi cum om, zoi no zoi", só nós dois no cabo da peixeira no centro do terreiro!

Eu sempre que trabalhava em região de selva, ou afastado de casas, gastava de portar uma faca de caça e pesca muito bonita, que servia mais de ornamento.

-Eu faria Lampião dançar um xaxado , direitinho, na ponta dessa faca aqui. E vocês querem saber de uma? Comentavam à boca pequena, que aquela brabeza dele era era só durante o dia, que à noite passava de Lampião à Lamparina.

Pra quê?! De repente, o vigia se levantou e disse para eu parar com as pilhérias, que eu já tinha ido longe de mais. Nisso, foi quando eu vi que ele já estava de pé com uma mão no cabo do facão e a outra segurando a bainha, em ponto de ataque.

O cabra estava vermelho de raiva, só que nós éramos seis e a desvantagem pra ele era enorme. Nós, por força do trabalho, tínhamos facões, foices, peixeiras, machado. Objetos de trabalho afiados de tirar barbas, do mais fino corte, mas que poderia se transformar em um arsenal de guerra, além de alguns estilingues. Era óbvio que todos eram trabalhadores, pacíficos, ordeiros e que ninguém se meteria numa briga.Tanto que a "turma do abafa'' logo contornou a situação.

Quando tudo serenou, eu tomei a palavra e me descumpei, falando que tudo era apenas diversão, que eu, além de tudo, não sabia que ele era parente de Lampião. Que eu não faria aquilo por desrespeito. Depois, peguei na mão dele e o abracei e tudo voltou à normalidade.

Depois disso, entramos todos no carro e fomos deixá-lo em casa.

Quando ele desceu, mais uma vez agradeci a colaboração dele e nos postamos a sair. Quando ele já estava perto da porta, a uns trinta metros de nós, eu gritei pelo nome dele:

-Chico! Nisso ele se virou e eu continuei.

- Aquele teu primo Lamparina, eita cabra véi que gostava de "omi", vissi! E você sabe que é verdade!...aquele viado safado! Corre dentro agora seu porra, se tu és macho!

Nossa! Ele voltou fervendo, já bradando o facão no ar, feito um destinado.

Nosso carro saiu cantando pneus… e ele ficou se mordendo de raiva, espraguejando todos os impropérios possíveis conta mim.

Brinque comigo! Eu sou cabra da peste! Não mudo minhas convicções e nem arredo o pé, nem para o Lamparina!

Rachei de rir!