As Pegadas do Agricultor Urbano
Era uma vez um menino — um americano do sul — que soltava pipa no alto de um morro; nas suas andanças, o menino encontrou e se encantou com duas grandes e profundas pegadas no chão — o menino conhecia aquelas pegadas. Por sentir muita beleza naquilo, resolveu fotografar e postar nas redes sociais, comentando simplesmente que havia encontrado as pegadas do Pé Grande, um grande amigo seu. Com a rapidez da internet as imagens rapidamente correram o mundo.
Quando os americanos do norte observaram a foto, logo mandaram um especialista para fazer uma análise mais detalhada. Havia ali indícios muito fortes de que aquelas pegadas pudessem ser do Yeti, o Pé Grande, um ser lendário que deixou suas marcas nas montanhas rochosas americanas e canadenses, porém jamais foi visto por viva alma.
Chegando o especialista norte americano ao local, que já estava devidamente isolado da curiosidade dos nativos — sugestão da embaixada norte americana —, com a presença apenas de alguns burocratas, militares brasileiros, yankees e confederados, alguns repórteres e o menino responsável pela foto, o especialista analisou cuidadosamente as pegadas, e através de uma medição pelo carbono 14, percebeu que as mesmas eram muito recentes, coisa de poucos dias.
Registrou novas fotografias a partir de variados ângulos e enviou tudo para a NASA, que através de meticulosas análises com aparelhos de última geração tecnológica, concluiu que havia muitas semelhanças entre as pegadas encontradas no Brasil e as registradas nas montanhas rochosas — uma margem de acerto de aproximadamente 98.8734754%.
Teria o misterioso Pé Grande migrado da América do Norte para a do Sul? Era esta a pergunta sem resposta que povoava o pensamento dos americanos do norte, do sul e de todo o mundo naquele dia — a resposta da análise das pegadas havia vazado, provavelmente obra de algum espião russo, chinês, ou quem sabe, norte coreano.
— Existe uma boa possibilidade de que estas pegadas sejam mesmo do Yeti — comentou o especialista americano em seu portunhol carregado, uma mistura do inglês do Texas e Arizona com o inglês e o espanhol falado na Flórida.
— Estas pegadas não são a do Yeti, o Pé Grande das montanhas rochosas — retrucou o menino ali pertinho.
A resposta da criança americana do sul chegou aos ouvidos do especialista americano do norte.
— De quem então são as pegadas menino? — perguntou o norte americano no seu portunhol mais ou menos inteligível e com um certo ar de desdém.
— As pegadas são do Agricultor Urbano, meu grande amigo, que anda sempre por estas áreas plantando suas árvores e calça quarenta e seis — retrucou o menino no seu português claro como a luz do dia.
— E como nem mesmo os nativos daqui conseguiram observá-lo um único dia sequer ao longo de suas vidas? — retrucou o norte americano já um tanto o quanto raivoso, após receber alguns informes dos seus assessores.
— O Agricultor Urbano acorda sempre muito cedo, e quem anda à procura dele, sempre muito tarde, daí o eterno desencontro — respondeu descontraidamente o menino.
A gargalhada dos nativos ali perto — os americanos do sul — foi geral, e o americano do norte, vermelho como um pimentão, bem como os burocratas e militares com suas fardas e comendas foram aos poucos retirando-se, digamos que numa coletiva saída à francesa. Os repórteres ali presentes misteriosamente não revelaram nada ao mundo sobre tudo aquilo, daí é absolutamente inútil procurar por evidências nas mídias.
Depois do fiasco sem tamanho, os nativos do sul retornaram às suas vidas cotidianas e o menino voltou a empinar a sua pipa em paz. Termina assim o incidente internacional com as pegadas do Agricultor Urbano, o suposto Pé Grande para os norte americanos e vulgo plantador de árvores para quem o conhecia bem de perto.
Volta Redonda, 06 de Janeiro de 2022