Mente fotográfica, ideias apagadas

Mente fotográfica, ideias apagadas.

Sergipanos e baianos são verdadeiramente irmãos, mas nem tanto. Qualquer feriado que aconteça por essas paragens, eles mudam de habitat rapidamente. Eu já cheguei à conclusão de que Salvador é o último lugar do mundo para um sergipano esconder-se. O inverso também é real. As praias de Aracaju estão quase sempre lotadas de baianos, até por motivos lógicos, já que as praias daqui são muito melhores que as da Bahia.

Mesmo com esse intercâmbio, não é difícil notar uma rivalidade, ainda que velada e essa história não é nova, vem desde 1820, quando D. João VI cortou o cordão umbilical, separando as duas glebas. De qualquer forma, eles convivem bem, cada lado a seu modo, como marido e mulher que se beijam à noite e não se cheiram pelo dia.

Eu ouvi esse causo quando trabalhava em Alagoinhas-BA. Pela excentricidade do objeto, duvido muito que tenha algum grau de veracidade, mas eu não vou meter minha mão entre duas pedras de fogo irmãs. Venderei o tambaqui pelo mesmo preço que comprei.

Conta-se que um senhor muito rico, aqui de Aracaju, tinha uma grande amigo soteropolitano, aliás, o povo de Salvador adora esse gentílico. Estavam sempre em comunicação e se encontravam de quando em vez, quando o baiano vinha para Aracaju, fosse por negócio, ou a passeio. Só que o sergipano era bicho do mato, não arredava o pé de Aracaju nem por decreto do Papa. Aconteceu que, de tanto o amigo convidá-lo para conhecer Salvador e de tantas desculpas sem fundamentos, ele foi forçado, um dia, pela amizade, a aceitar.

Eu tive um colega em Teresina, de profissão estofador. Era um cara de mente fotográfica. Ele ia para o cinema e qualquer conjunto de sofás que aparecesse na tela, por mais diferente que fosse e por mais rápido que transitasse a cena, ele conseguia memorizar instantaneamente suas complexidades e fazia outro igual para vender. Esse sergipano tinha igualmente o mesmo dom de memorizar qualquer detalhe, de qualquer objeto.

Convite aceito, nosso personagem se mandou para Salvador. Tendo o amigo e seus familiares como cicerone, gozando de todas as amabilidades que o caso impunha, o visitante se sentiu muito confortavelmente, no entanto, nada do que lhe foi apresentado como atração teve a recepção esperada. Nada, mas absolutamente nada lhe despertou curiosidade. O Elevador Lacerda não passava de uma escada de subir e descer. O Estádio da Fonte Nova era só um campo de jogar bola, o Mercado Modelo foi de longe o que menos graça tinha, a Praça Castro Alves não passava de encontro de três becos, o Pelourinho era, na verdade, escombros a céu aberto. Poder-se-ia dizer que tinha sido um passeio até então desnecessário, para não dizer desenxabido.

Tudo isso aconteceu numa sexta-feira e sábado e o convidado já tinha dado como perdido o fim de semana, quando no domingo, algo de surpreendente lhe salvou o passeio.

O dia amanhecera lindo e o anfitrião o levou para passar a manhã no Bahia Tênis Clube. De cara, ao chegarem ao recinto, o convidado se impressionou com o ambiente muito bem decorado. Tudo impecavelmente limpo, as quadras de tênis muito bem conservadas, a arquitetura moderna, decoração de muito bom gosto, Fez questão de conhecer todas as dependências e tudo estava muito acima de qualquer outro empreendimento do gênero que ele conhecia.

No retorno para Aracaju, reuniu três amigos endinheirados e propôs construir um clube com as mesmas características. Falou tão bem da ideia que os amigos aceitaram investir no que fosse necessário para a concretização.

Com a aquiescência dos outros três, procurou um arquiteto, entregou-lhe um rascunho da obra e tocaram o projeto pra frente. O arquiteto só teve mesmo o trabalho organizar alguns detalhes, aparar as arestas e pôr as cotas, já que tudo estava previamente muito bem definido.

Quando dissemos acima que a construção teria as mesmas características do clube baiano, não foi apenas força de expressão. Bem se diga que, ficou a cópia fidelíssima. Nem que tivessem sido filmados todos os ambientes, teria ficado tão parecido. Na fachada do clube colocaram em alto relevo, duas raquetes cruzadas, que bem identificaria o gênero de esporte a ser ali praticado. O problema maior aconteceu no momento de definir o nome do clube. A ideia primeira foi de Sergipe Tênis Clube, só que foi neste momento em que aconteceu o famoso “estalo”. O empresário notou que já estava demais. Além de ter copiado integralmente a planta da edificação, ainda colocar o mesmo nome e o mesmo logotipo, não seria correto e até poderia lhe causar algum problema no futuro. Resolveu pensar melhor.

Eu, que estou contando esse causo, não quero complicações para meu lado e volto a dizer que nada tenho com isso, mas o certo foi que, três dias depois, o empresário esteve com o arquiteto e mandou que trocasse a fachada.

Substituiu as raquetes cruzadas por um par de kichute e a logomarca era composta de três letras “c”, de tamanhos diferentes, circunscritas entre si, de modo que, uma dentro da outra, nas cores verde, branca e amarela, sobre um fundo azul, que correspondia ao nome: Cergipe Clube de Conga!

Fui!