EU JURO QUE VI!
Joca Tibúrcio já fizera fama na cidadezinha do interior de São Paulo. O motivo? Segundo ele, nenhum! Talvez, e apenas para contentar algum compadre seu, admitia que, às vezes, se empolgava ao contar um causo, tido por ele como a verdade das verdades.
Os mais cultos da cidade, e que o conheciam há anos, impingiram-lhe alguns apelidos, tais como: Pinóquio do Interior, Barão de Itararé e Barão de Münchausen*.
Que Joca era ‘gente boa’, ninguém duvidava. Era ‘pau pra toda obra’, um amigo com o qual podia-se contar a qualquer hora do dia ou da noite. Inclusive em finais de semana e feriados!
Não obstante esse espírito comunitário, o ‘Barão’ realmente exagerava em relação às histórias que narrava, sempre com um pito na mão e mascando fumo.
Um de seus causos, reiteradamente contado, e a cada narrativa com um ‘ingrediente’ a mais, narrava o dia em que um macho convicto — Genivaldo Peçonha —, que morou na mesma cidade há muitas décadas, resolveu desafiar o Capeta, a fim de provar que era macho, com ‘aquilo’ roxo.
Segundo o Barão, Genivaldo bancou uma aposta com amigos, que consistia em ir ao cemitério da cidade à meia-noite de uma sexta-feira e, em altos brados, desafiar o Capeta para se manifestar.
Chegada a sexta-feira, faltando cinco minutos para a meia-noite, lá estava o intrépido desafiante dentro do cemitério, acesso esse ao Campo Santo, diga-se de passagem, e segundo ele, graças a um salto olímpico sem vara que deu para passar-se para dentro.
Tão logo Joca ouviu as badaladas da igreja matriz marcando a meia-noite, em altos brados começou a desafiar o Capeta:
— Coisa-Ruim dos Infernos, se ocê é hómi, apareça pra me enfrentá! — Bode Preto, filho de uma égua sem mãe, mostre seus chifre pra eu entortá! — Cafuçu, Beiçudo, Arrenegado, mostra seu rabo pontudo!
E a xingação continuou por mais alguns minutos, a ponto de faltar sinônimos de ‘Capeta’.
Joca, achando que já tinha garantido seus culhões, e se sentindo o ‘tal’, já se via botando a mão num dinheiro fácil quando voltasse para os amigos.
De repente, porém, uma ventania começou a se manifestar entre os túmulos! E até as luzes dos postes circunvizinhos ao cemitério se apagaram.
Joca sentiu um frio cortante percorrer sua coluna e suas pernas começaram a tremer. E, poucos segundos depois, surgiu à sua frente uma figura alta, magra, toda vestida de preta.
— Virgem Santíssima! — o trêmulo desafiante exclamou, berrando! E, fazendo o sinal da Cruz, apelou por auxílio divino: — Jesuis Cristim, valei-me nesta hora!
Por uma fração de segundos, o mundo pareceu ter congelado, num silêncio retumbante. Até o momento em que se escutou uma imprecação:
— Mais que praga dos inferno! Nem no cemitério a gente pode ter paz?!
Era o coveiro, Gervásio Assunção, que, em não tendo casa própria, dormia na capela do cemitério.
* O Barão de Münchausen é um personagem muito popular na literatura europeia, e suas histórias foram reunidas num livro pela primeira vez em 1785, pelo alemão Rudolf Erich Raspe. Na obra, o próprio Barão narra para alguns convidados os acontecimentos fantásticos que viveu em suas viagens pelo mundo
Segundo uma das narrativas, ele cavalgou durante uma batalha em um cavalo cortado ao meio; conseguiu escapar do ataque simultâneo de um leão e um crocodilo; foi lançado contra uma cidade sitiada montado em uma bala de canhão; e por aí vai.
E, segundo consta, o tal Barão existiu mesmo. Seu nome era Karl Friedrich Hieronymus e ele nasceu em 1720, em Bodenwerder, na Alemanha. Ele teve uma carreira militar bem-sucedida e, depois de se aposentar, não perdia uma oportunidade de narrar suas façanhas — sempre com o exagero e com a maior naturalidade.