*Histórias do Camonjo
Histórias do Camonjo
Nos meus tempos de menino, ouvi muitíssimos casos do Camonjo, um sujeito que, ao que transparecia, era desprovido de estudos, mas dono de uma incrível capacidade de resolver enigmas, quebra-cabeças, mistérios, sonhos e adivinhações. Era do tipo que não se engasgava com pouca espinha e gozava de uma popularidade inigualável.
Seus comentários, na maioria das vezes, eram carregados de uma dose exagerada de picardias. Não poucas vezes, em suas invectivas, colocava o rei em situações vexatórias. Daí, as constantes investidas dos conselheiros do rei, no sentido de pegar ladino numa arapuca e mandá-lo para a forca. Ou seja, era do tipo incorrigível.
Um dia, por descuido do cupido, sua majestade avistou de longe a rainha, aos beijos e amassos com um dos cavalariços do reino, num dos escondidinhos do palácio. (Que ninguém veja aqui qualquer insinuação com fatos outros.)
Amargando uma brutal desconfiança conjugal e sem saber como resolver sua vida, o rei ficou quieto, não falou nada, mas resolveu descarregar toda a sua raiva sobre o Camonjo, preparando-lhe uma cilada. Mandou o arauto ir à casa dele com a seguinte ordem, que foi trombeteada com todas as pompas, às vistas da turba ignara.
– Atenção, muita atenção, cambada...! Por decreto de El Rei desta joça, “escrivinhado”, registrado em cartório de ofício e notas e por mim prolatado agora, faz saber a todos os presentes e ausentes, parentes e aderentes, em especial a esse tal de Camonjo da febre do rato do estupor balaio, que o dito cujo supracitado deverá comparecer, na data e hora aqui determinadas, ou seja, domingo próximo, às nove horas em ponto, ao átrio do Palácio Real, da seguinte forma: nem nu, nem vestido; nem a cavalo, nem a pé. Caso não cumpra essas reais determinações, pagará com a vida pela desobediência e ousadia. O decreto está assinado por El Rei e pelos Ministros da Forca e Execuções Penais. Agora, num vão não, viu, meus bixim, pra vocês verem como é que cu de cutia assobia ao meio dia!...
Sabendo que se metera numa camisa de onze varas, Camonjo começou a estudar sua defesa, embora sabendo que aquela parada estava quase perdida.
O rei, por sua vez, conhecendo os malabarismos mentais do desinfeliz e imaginando que ele até poderia se safar daquela, já deixou com o arauto outro questionamento para ser feito à queima-roupa, dessa vez impossível de ser respondido.
Aproximava-se das nove horas, quando um grande alarido se fez ouvir do lado oposto de onde estava armada a forca.
O rei, a rainha e seus conselheiros, apostos em seus lugares de honra, viram, abismados, quando o Camonjo parou diante deles, completamente nu de roupas convencionais, mas vestido numa tarrafa de pescar, montando uma porca e, ao mesmo tempo, caminhando, para que as pernas não se arrastassem no chão. O povo, que torcia pelo Camonjo, se matava de tanto rir, aplaudindo a sagacidade dele.
Diante daquele bizarro espetáculo, a rainha tapou os olhos com as mãos, mas continuou olhando-o por entre as frestas dos seus dedos, mal sabendo ela que a desgraça só estava começando.
Nisso, o arauto recebeu um sinal de autorização para fazer o segundo questionamento, para o qual o Camonjo não estava nem preparado.
–Camonjo, Sua Majestade El Rei quer que você diga, sob pena de morte imediata, o que é que somente ele sente e Deus sabe.
Camonjo pensou um pouco diante do silêncio ensurdecedor que se fizera e chutou de trivela:
– Se a esperteza não me falha
E o coração não me mente,
Vejo neste rei um corno,
Só Deus sabe e ele sente!
Pronto! Daí em diante, o povo tomou conta da festa. Mais uma vez, o Camonjo havia se livrado dos ardis do rei em poucos minutos.
PS.: Eu sempre ouvi inúmeros causos como esse em Teresina. A maioria das pessoas sabia de alguma dessas façanhas. Com o tempo, passou-me pela cabeça que Camonjo ou Camonje, como também era conhecido, poderia ser uma corruptela de Camões, coisa pouco provável, pois Camões era amigo do rei e não seria deselegante e, menos ainda, obsceno, como demonstrava a quase totalidade dos desfechos de suas anedotas. Fica aqui o meu registro, para que suas peripécias não se percam no tempo. Nos comentários, digam se conheciam esse personagem.