AÇÃO FEIA...
AÇÃO FEIA...
Lucas Carneiro
O coronel tinha um servicinho pra fazer na fazenda. Servicinho pouco, mas não confiava em qualquer pessoa para fazê-lo. Queria tudo bem feito e, por isso, mandou chamar seu Chico, lá da banda da Baixa Funda. Aquele ali sim, sabia fazer as coisas direitinho.
Seu Chico veio, olhou o serviço, pediu um preço, o coronel pediu uma baixa, seu Chico concedeu levando em consideração que o coronel dava o de-comer, arrancho e, além disso, uma boa prosa... e a conversa ia indo muito boa, quando chegou o doutor Fontes, amigo do coronel, que vinha examinar uns animais.
O coronel ofereceu assento ao doutor, virou-se pra ele, exclusivamente, e puseram-se ambos a conversar. Seu Chico foi sendo ignorado, deixando de fazer parte das atenções do velho patrão. Compadre pra lá, compadre pra cá, seu Chico foi sendo excluído completamente daquele colóquio. E o velho faz-tudo foi-se encolhendo.
Daí a pouco, veio a cozinheira anunciar o almoço, o coronel convidou o doutor, ele aceitou, e os compadres se dirigiram à sala de janta, sentaram-se à mesa... seu Chico não foi convidado. Homem educado e de bons costumes, seu Chico não se sentiu à vontade para acompanhar os outros à mesa.
E começava aos ouvidos de seu Chico o torturante tilintar de talheres e pratos e a prosa farta, seguidos das risadas estridentes do coronel, e um pouco mais contidas do doutor Fontes. Seu Chico, o couro da barriga encostando no osso do espinhaço, a fome maior que a ferida do orgulho, ainda conseguia pensar num jeito de ir para a mesa.
Lembrou-se dos potes na cantareira, a água friinha, os canecos de alumínio areados, brilhando na copeira, a concha dependurada. Foi até a sala de janta e pediu:
– Coroné, o sinhô me dá licença d’eu bebê um caneco d'água desse seu pote aqui?
O coronel permitiu, seu Chico tibungou a concha no pote, encheu o caneco de alumínio de aselha, bebeu, a água fria bateu no estômago, que doeu de tanta fome... e ele veio postar-se, de pé, novamente, ao lado dos comensais, os olhos dançando sobre a comida farta da mesa do coronel.
O doutor se incomodava com a presença de seu Chico, ali. Mas não estava em sua casa. O jeito era puxar conversa, pra tentar minimizar o incômodo.
– Como é que vai, seu Chico? Conte lá as novidades.
– Tem novidade não, seu doto Fonte. Qué dizê, tem e num tem. Minha égua. Deu cria. Três pudrim.
– Conversa é essa, seu Chico? Onde já se viu, uma égua dar três crias?
– Apois, deu, sim sinhô, e tão se criano.
– Mas não pode, seu Chico. Uma égua só tem dois peitos. Como é que uma égua, só com dois peitos, dá de mamar a três filhotes?
– É munto faço: vosmincêis num tão aí almunçano, e eu num tô aqui ispiano? Apois é do mermo jeito: fica dois mamano, e o ôto fica ispiano. Adispois troca.