1 Conto ao Valor de 2 Contos
Diante da morte pouca importa, em princípio, é paletó de madeira e vela preta, mas quando o dinheiro valia alguma coisa, amarrei meu burro no toco da praça e fui comprar as provisões. Amante da bigamia e em plena forma física, dando bicuda até no vento, chupando o caroço de manga, assobiando e afogando o ganso três vezes sem sair de cima, sustentava 3 esposas e 15 crianças de papel passado. Tudo por minha conta e risco. Filho de quem? Só Deus sabia. Pai generoso e amável é aquele que banca o sustento dos catarrentos; e pouco importava-me o sangue da titularidade; porque as leis, regras, incisos, medida provisórias, parágrafos, imposições são planos de papel formulados pelos homens, tentando frear a libido inescrupulosa do homem. E o que provém do homem, é anel de fogo para os dedos do possuidor da joia queimar.
Naquele tempo não havia carro, no entanto, haviam os moleques guardadores de animais nas praças das cidades em expansão. O fulaninho chegou em mim e adiantou o expediente: "pode olhar o seu esquelético burrão, patrão".
Estranhando esse tal de "olhar o meu burro", pois matuto não entendi e nem faz questão de entender as coisas da cidade, respondi ao pé da letra: "oi menino, se quiser e tiver olhos, pode olhar. Não paga nada, mas se o meu irmão gêmeo vier pegá-lo, diga que o irmão dele, o Jucá Bala da família de sobrenome Gambiarreiro, está por perto; e corra me avisar do roubo do burro".
Tirei as esporas e as pendurei na sela; logo estaria de volta, ansiava por isto! Pensei. Sorte ou não, voltei e encontrei o burro no mesmo lugar, porém o moleque não estava mais por ali. Deixei para ele um livreto com um conto em cima do toco, que na época valiam 2 contos e esporeei o pangaré. Fui parar no terreiro de casa.
Passado muito tempo, encontrei um rapazão e fiquei sabendo pela boca dele, que era o moleque guardador de animal na praça. Papo vai, papo vem, falou-me que era analfabeto e tinha ido para a cidade estudar, mas deu com os burros n`água.
Estava enfurecido, porque o governo só prometia, mas não cumpria bosta coada nenhuma; preferia investir em estádios de futebol, mega eventos como olimpíadas, porto no exterior e obras faraônicas, tal como Pré-sal. Falei para ele não desanimar, porque eu fiz e fazia a minha parte, pagando impostos caros e distribuindo livretos com um conto, que valiam por dois contos. Fui além, esclarecendo-o que dava uma ajudinha para o governo, oferecendo o teto de minha casa como abrigo para a mulherada com filhos perdidos no mundo.
O rapazote resumiu sua história dizendo que era asno velho e como estava desanimado da vida, não aprenderia mais nada. Nos despedimos e segui viagem. Estava participando de uma romaria à Aparecida do Norte. Cavalguei uns metros e voltei. Ao tirar o chapéu, vociferei:
- Deus o abençoe, honesto e rude filho do mundo; porque se depender de gente de dois pés, sem rabo e possuidora de uma mente racional, o atoleiro da areia movediça não estará muito longe de vossos passos. Quem acredita em promessas dos homens é o diabo; rapaz! Aliás, é ele que inspira a confiança nos fracos a acreditar nas mentiras dos homens fortes.