Recordando a infância
Recordando a infância
Alberto Valença Lima
Poderia começar esta história assim: Era uma vez um menino que gostava muito de viajar. Mas não vou. Vou contar pra vocês, um causo que sucedeu comigo há um certo tempo.
Essa semana, após ler um texto aqui no Recanto das Letras, me veio à memória meus tempos de infância. Das viagens que fiz com meu pai, lá pras bandas do Ceará, terra de onde ele veio. Saiu de lá inda pequeno. Veio pra Recife e aqui fez sua vida. Mas isso não interessa, e não tem nada a ver com o que quero contar.
Fizemos juntos, meu pai, minha mãe e eu, muitas viagens. Da maioria, eu nem lembro. Era ainda muito pequeno. Mas isso, também não importa pra minha história. Tô fugindo muito do assunto. Acho que com vergonha de iniciar. Sei lá. Tem tanta gente porreta por aqui. E eu me metendo nesse meio. É meio assustador. Mas "vamo lá".
Teve uma viagem que fiz, só eu, meu pai e meu irmão, lá pras bandas de lá. Dessa eu lembro bem. Tinha eu acho que uns 10 ou 12 anos. Meu irmão, dois anos mais novo. Eu sou o mais velho de uma prole de oito. Mas lá vou eu de novo abrindo "parêntes". Deixa pra lá.
Muito bem. Essa viagem nós fomos de trem. Pois é. Nesse tempo ainda tinha trem. Ônibus era coisa rara. E demorava eu acho que um mês pra chegar "nos canto". Porque nem estrada tinha direito. A gente foi de trem. Era chique. O trem ia pelos trilhos, chac-chac, chac-chac. O dia todinho. Tá pensando que chegava logo é? Pois num era não! Demorava acho que uns 3 dias de Recife até o Ceará. E num era uma viagem só não. A gente ia até Mossoró, eu acho. Chegava lá, dormia pra poder pegar outro trem no outro dia. Aí viajava até o Ceará. Eu num lembro mais em que cidade a gente parava. Acho que era Crato. Mas num tenho mais certeza. Mas isso também num é importante. De lá dessa cidade, a gente pegava um pau-de-arara até Quixeramobim, que era a terra de papai. Sabe o que é pau-de-arara? Num é galho cheio de arara não. Era um caminhão em que todo mundo ia na carroceria, que era descoberta, se agarrando um no outro e nos bancos pra num ser jogado longe quando o caminhão dava um catabi. E sabe o que é catabi? É quando o carro passa num buraco e cai e depois sobe, fazendo você voar. Por isso tem que segurar forte nas madeiras dos bancos. Que eu acho que tinha um espaço entre uma e outra, justamente pra que desse pra você botar os dedos entre elas pra se segurar e não voar.
Pois bem, depois dos 3 dias a gente chegou lá na fazenda do meu avô. Lá conheci meus primos. Um deles era chamado Lima, o mesmo nome do meu pai. Era o nome de guerra dele. Não sei por que nome de guerra. Talvez porque quando ele foi pra guerra, ficaram chamando ele assim. O nome dele mesmo era Antonio. Mas ninguém chamava ele de Antonio. Só a irmã dele, que era também minha tia, chamava ele de Toinho. E por causa disso, meus primos, chamavam ele de tio Toinho. Mas em Recife, todo mundo só chamava ele de Lima. E esse meu primo tinha o mesmo nome. Não sei se ele foi também pra guerra. Mas acho que não pois ele só tinha uns 20 anos. Mas enfim. Não sei por que chamavam ele de Lima também.
Um dia a gente saiu pra tomar banho de rio. Foi maravilhoso. Brincamos, mergulhamos, pulamos de cima da barreira. Foi uma diversão só. E ainda teve, que pra ir até o rio, nós fomos de cavalo. Porque era um pouco longe. Eu me senti o próprio Zorro. Pra quem não viveu nesse tempo, Zorro era um seriado que passava na TV. Era um mascarado que defendia a lei junto com Tonto, um índio que o acompanhava. Ele tinha um cavalo que se chamva Silver. Ele dizia: "Aiô Silver! Avante!" E eu falei isso no caminho. Mas vocês nem imaginam o que foi que aconteceu. O cavalo que eu estava saiu desembestado pelo caminho. Por sorte, não tinha árvore nenhuma. Porque lá é tudo seco. Só tem pedra e capim seco pelo chão. Eu gritava, gritava, e Lima disparado atrás de mim no cavalo dele. Depois levei uma bronca danada. Ele disse que eu não devia ter gritado esse nome pois o cavalo era ensinado a correr quando ouvia isso. Como era que eu ia saber? Falei.
Bom, mas o melhor da história num foi isso. Esse foi só um detalhe. O melhor foi de tarde, depois que voltamos do banho. Fomos, Lima e eu só, levar o leite até a cidade para vender. Tinha uma ladeira bem grande. Deixamos o leite lá e voltamos pra casa pra almoçar. Muito bem. Depois do almoço, chamei meu irmão pra ir até a cidade pra comprar japonês. Ele perguntou. E tu sabe onde é? Eu falei. Sei sim. Eu fui com Lima mais cedo lá. Abrindo um novo "parêntes". Esse necessário pois, tenho certeza que vocês tão pensando que a gente ia comprar trabalhador japonês pra levar pra fazenda num é não? Mas japonês, era um doce que tinha, que era feito com coco ou com leite, ou com amendoim, ou com outras coisas. Era envolto num papel de embrulho e a gente comia. Era delicioso! Hoje chamam também de puxa-puxa. E fomos, meu irmão, eu, e um jumento, pois os cavalos estavam cansados da nossa cavalgada pela manhã, e não podiam sair. Fomos na cidade, comemos japonês, e voltamos. No meio da ladeira, descendo, o jumento empacou. Não saia do lugar de jeito nenhum. Eu puxava a corda, batia com o chicote, jogava pedra e nada. Ele não saia do lugar. Eu não podia deixar o jumento lá e ir embora pois estava longe de casa ainda. Então disse a meu irmão que ficasse lá tomando conta do burro que eu ia chamar Lima pra fazer ele sair do canto. Disse a ele: se ele sair, você num deixe não. segure ele, amarre ele, faça qualquer coisa. Aí fui "mimbora" correndo. Chamei Lima e fomos nós dois buscar o burro e meu irmão. Mas vocês nem imaginam o que foi que sucedeu. Chegamos lá, tava o canto mais limpo. Meu irmão com cara de tacho chorando, e o burro? Perguntei. Ele foi embora. Como foi embora? Eu não disse pra você segurar? Ele falou: Passou outro burro por aqui e ele foi atrás. Aí Lima disse: Ah, eu já sei aonde ele tá. E foi até uma casa ali perto onde o burro estava. Era a casa de um amigo dele. Voltamos então os quatro pra casa e eu levei mais outra bronca. Maior do que a de de manhã. Mas guardo a recordação, como uma das minhas melhores experiências na vida.