Peixe nada (trans)Parente
Solícito, o amigo dizia para o outro, que recebeu a visita de sua sogra. A mãe da esposa dele o alegrou por mais de 12 meses. Agora era hora de partir para cuidar do marido sofrido pelas nas dores do reumatismo, galinhas, gatos, cães, marrecos, dos bisnetos que recebeu como recompensa pelos mimos dados à filha mais nova e dos dois aquários com um peixinho colorido de água doce em cada um.
O interlocutor ouvia sem dar a devida importância ao papo. Impaciente, beijava o crucifixo e ora balançava a cabeça em sinal positivo, ora negando: "como assim? Meu Deus do céu, o mundo está de cabeça para baixo". - com o pavio fumegando prestes a incendiar a carga de dinamite, era o que pensava, sem dizer nada.
Não por muito tempo, quando perguntou revoltado: "fora a alegria de revê-la aposentada com saúde, remédios na bolsa, reclamando das joanetes e das ferroadas do esporão nas solas dos pés consumindo-lhe a paciência, contando vantagens de eventos que nunca fizera parte e dizendo maravilhas dos familiares, filhos, netos, genros noras e bisnetos, o que mais ela contribuiu para vocês nesses meses que esteve sob sua tutela"?
Embasbacado com o que ouviu, o locutor engoliu em seco a saliva e após dar um nó cego no pomo de adão, procurou no infinito onde estava a razão para tanta autenticidade. Calou-se. Nada respondeu. Não contente com o numerário filosófico, o interlocutor voltou à cena: "responda para você e seus botões, por que eu tenho as minhas respostas; afinal, também venho da família de hominídeos e não do ovo. Peixes são todos iguais e só mudam o fator sanguíneo familiar e os endereços dos aquários".
Deu de ombros e saiu batendo os cascos à procura de uma sombra que lhe refrescasse a neurose. Sossegasse os ácidos estomacais. Não dormiu um tostão de sono na noite anterior. Inescrupulosamente, a bile fervilhava-lhe as vísceras. Andava preocupado com a morte da bezerra e as faturas deixadas, pelo organizado filho que fora estudar pós doctor na Europa. Seu pai, amoroso que só, estava com o coração saindo pela boca; e uma das maneiras de extravasar seus sentimentos, foi papeando, até àquele momento, com o amigo de aquário.
Ambos os peixes, morrendo de medo, pois eram vistos pelas línguas passada nos beiços por bichanos de estimação da casa. E antes que o pior aconteça, amanhã é outro dia e pela logicidade numérica na relação da era aquariana, outras danças de roda, outras partidas de futebol de campo, outras rodadas de cervejas no happy hour ao som do jazz, outros churrascos nas lajes das favelas, outros desfiles de ego nas passarelas e não menos, outros carnavais, outro horário de verão e outro dia que dará oportunidade a mais papos honestos entre os dois peixes. Autenticidade e originalidade é tudo e contribui e muito, para a oxigenação das águas nos apartamentos e aquários, sob os quais, borbulham as amizades duradouras dos vizinhos.
Por certo, pororocas revoltosas contemplam as cambalhotas de peixes efusivos em águas paradas.