Idiomas Descortinados
Ela era formada em Psicologia com especialização em clínica familiar. Oriundo da Tchecoslováquia, ele era profundo conhecedor da Psicanálise.
Ela falava inglês, árabe, húngaro e italiano. Ele, alemão, português, espanhol e francês.
Apaixonaram-se. Noivaram. Cegaram-se. Casaram-se e continuaram morando no Sul. Tiveram três filhos brasileiros; cada um mais louro que o outro. Num domingo qualquer foram à feira-livre. Tiraram a manhã para conhecer as frutas tropicais nordestinas. O encantamento com a diversidade foi tamanha, que pediram o divórcio. Embora não revelado publicamente anteriormente, descobriram-se na alimentação frugal o alento para o recomeço. Passaram comer frutas que até então, não fazia parte do cardápio que estavam acostumados.
Nunca mais falaram os mesmos idiomas e menos ainda, comeram as mesmas frutas. Ela gostou tanto, que estando na feira, berrava a plenos pulmões: "sugue, vasculhe, bagunce mesmo, porque da frutaria emerge somente a doçura do mel".
Embora frequentasse outra feira, ele para não ficar para trás, reparava e apalpava as frutas; e após ser invadido pelo delírio dos psicopatas, gritava: "a maça é fruta saudável, ideal para ser comida a qualquer hora e quando intocada, até o meu bisavô paga com prazer e gozo. O velho safado, sô!"
E tinha razão, seu bisavô foi refugiado de guerra e ganhara a vida como agricultor; porém, perdera tudo para os feirantes. Era péssimo mercador e via-de-regra, era facilmente trapaceado nas trocas de mercadoria. Morreu sabendo, tendo a certeza absoluta que as frutas também enganam. No entanto, estirado no leito de morte, agonizando a morte, pediu que pusessem em sua mão, em vez de vela, uma maça; pedido que foi imediatamente atendimento pelo filho. E num sorriso dissimulado, deixando transparecer os cacarecos de dentes, pois perdera-os de tanto mastigar, remoer, ruminar as frutas, fechou os olhos para nunca mais abri-los. Queimando sob a ardência da maça que colocara sobre o peito, o viés de sua estória, é que morrera feliz!