O que sobrou de Duas Malas...
Elas não se suportavam a tempos. Para uma relação de mais de duas décadas, estorvada e decrépita, cada dia, uma arenga nova. Um dia era por causa do gato; outra por causa da nota superfaturada do veterinário. Outra por causa do padeiro que entregou o pão antes do horário previsto; outro por causa do entregador de gás que adentrou o apartamento sem tocar campainha. Outra era por causa do cão que estava com prisão de ventre. Outra porque faltou mamão para o papagaio; outra era por causa do jiló que estava amargo além da conta.
Outra porque o filho adotivo era superprotegido por uma ou outra. Outra era por causa do mesmo filho, que só queria dirigir o carro para uma delas. Guerra. E assim ia a relação delas, de modo que tudo era motivo, não de um come na madrugada, mas de um arranca-rabo todos os dias. Definitivamente, a muito tempo, eram duas malas, um filho adotivo, não apenas morando, mas uma família de aposentados. Como nada acontecia, pareciam três esperas pela morte, apenas.
Até o dia em que a ativa encheu o picuá, pegou a mala passiva e jogou-a com toda força do mundo no outro lado da rua. Aos altos brados, rosnou: "Suma daqui. Vai tomar no fim do espinhaço, sua merda, corno de uma figa. Viado velho! Chupa cabra, para não dizer outra coisa! Suma de uma vez por todos, sua miséria! Vai pintar outra parede com sua brocha murcha."
E daquele dia em diante, só ficou uma mala sem alça em cima do guarda-roupas para o contar o causo em forma de conto. Iguais ao delas, tem um monte em cima do guarda-roupas, em cima do muro, em cima da cômoda, aturando as atitudes incômodas de uma ou outra. O que deveras, não interessa à ninguém. Nem sei porque escrevi isso, e não menos, porque publiquei. Em nome delas e mais um monte que ronda a cidade, por favor, desconsidere o que leste.
Grato
MG
Excelente dia para todos!