Conto Natalino em Primeira Pessoa
Como foi o seu natal, leitor? Por que o meu seria mais vibrante e iluminado, se não fosse um pequeno incidente; e quem tiver paciência para ler o conto até o final, ficará sabendo. Adianto que são aquelas coisas rotineiras, corriqueiras e fazem parte de toda família. Como diz o aforismo popular "O que seria do branco se não houvesse o cor preta; o que seria do rico se não houvesse o pobre?; o que seria da latrina se não houvesse a diarreia?" E por aí vai...
Pois bem, o natal para nós, como família é ocasião única para nos reunirmos. Aparece gente de todo lado. E a cada final de ano, um estranho vem pedir acolhimento no ninho, que como coração de mãe, é grande. Gigante! Minha mãe sempre primou por uma família com o maior número de pessoas. Atualmente, com as novas visitas, contamos mais de 100 pessoas. Quando nos reunimos, costumo brincar que separemos os lideres e democraticamente, tiremos no par ou impar, os integrantes de cada time. Portanto, neste natal separamos quase 9 equipes de futebol de campo; mas poderia ser mais se mudássemos a modalidade de esporte, por exemplo futebol de salão. Preferimos futebol de campo, porque é a paixão de todos lá em casa; e nessas ocasiões não perdem a oportunidade de colorir os corpos com os uniformes do clube.
Desta vez, sei lá o porquê e por educação e elegância, predicados que minha família é ás, preferi não perguntar ao meu primo de estar vestindo o uniforme daquele time. Rumores e fontes fidedignas disseram que é o uniforme do Ibis de Pernambuco; confesso que nunca ouvi falar. Barcelona, Corinthians, Palmeiras campeão brasileiro, Flamengo, Bayer de Munique, Cruzeiro, Internacional rebaixado para a segunda divisão e outros gigantes do futebol mundial, tudo bem; mas Ibis? Quem foi e quem é Ibis? O que representa para o futebol pernambucano e brasileiro? Poderia ser até a Chapecoense, que é o clube da vez, mas Ibis... é dose para leão.
A festa já seguia pela madrugada velha e o forró - a maioria dos que compõem a minha família é nordestina e nortista - comia desembolado. Estou para ver família mais alegre e festiva do que a minha e por isto, devo agradecer imensamente a Deus; pois segundo os espíritas, a família é resgate de vidas passadas que precisão se reatar, emendar os laços para cumprir a missão à ela determinada. Neste campo, não sou nada: espiritismo não é o meu forte; por sinal, o pastor fala sempre nas reuniões que essa doutrina é compactuada com o bicho. Cruz credo!
Às 23h e 30 min os adultos sentaram à mesa para cear. Os sobrinhos e primos? A maioria já tinha comido e brincavam no terreiro. Fazia uma bagunça dos diachos, que foi preciso Tia Celestina chegar o relho na bunda deles. Essa minha Tia é estabanada ao extremo e quanto pega para bater, não escolhe lugar. Corri para acudir Miguelito, senão ia tomar na cabeça. Gritei com ela para bater na bunda, que contém mais carne do que músculos e não comprometi a inteligência da criança.
Filezinho era o que fazia arruaça, a baderna e responsabilizava os outros pelas suas doidices. O moleque, além de feio parecido o cão chupando manga, é velhaco. Joga gasolina e pula fora; só volta quando o circo está salvo do fogaréu. Temo pelo futuro desse menino, mas não é filho de minha mãe, agente não pode fazer nada. Embora queira ou não, pertence a nossa família. Deus queira que não.
Sobre a mesa um banquete, daqueles que leitor, saboreia no final de ano. Tinha peru; leitoa, frango recheado. Uma delícia: foi o que eu mais comi. Havia também carne de cabrito, que é tradição de nordestino. Festa que não tiver buchada de bode, pode saber que não é de nordestinos ou nortistas. Feijão de corda também tinha. Aliás, bem temperado. Outra delícia: escrevendo dá água na boca.
Começamos a comer; até que enfim. Confesso que no dia 2 de janeiro já penso nesse momento. Êta felicidade! Casa cheia. Mesa cheia. Barriga cheia. Vida de pobre tem dessas coisas e parece que o dia de hoje é a despedida do amanhã. É tudo ou nada. É começar a comer e não largar. Rói até os ossos, lambe os dedos e saboreia o gostinho de gordura lambendo os beiços. Mas somos felizes assim: um usando chinelo havaianas; outro com a camisa remendada; outro mendigando por uma gota de chuva; outro costurando o cueiro da cria que vai chegar, mas como disse, somos felizes. E quando chega essa época, não tem como desabafar as dificuldades, a gula, a falta de tudo do ano inteiro em apenas uma noite. Se bem que agora as coisas mudaram bastante por aqui. Meu tio por exemplo, foi para São Paulo, que o Datena fala que é terra de doido, de avião. Ninguém daqui do sertão nunca imaginou voar de avião. Sonho... sonhamos, mas quando abrimos as asas e realizamos aquilo que agente idealiza, é um êxtase dos diachos. Sabe estou quase me esborrachando de alegria.
.
.
.
.
Tinha muito mais o que escrever, mas respeitando sua preguiça em ler, vou finalizar: "Alô, vó, já acordada"?
- Sim, minha neta, como você sabe sofro de insônia e não consigo dormir; mas em um segundo que dormi...
- O quê aconteceu, diga vó? O coração outra vez? Meu Deus!
- Não... pior do que isto. Estou aqui procurando o que sobrou e parece que tudo criou asas... você sabe o paradeiro dos assados?
- Ah vó, agente não deve acusar, somos família, mas a Fulaninha chegou com uma bolsinha de mão e saiu com uma sacola daquelas de reciclagem. A senhora sabe qual estou falando, né? Aquelas de fazer compra em supermercado. Não tenho certeza, mas parece que tinha umas panelas dentro. Até pensei: "puxa, a Fulaninha está levando as panelas, é por que trouxe alguma coisa dentro! Aleluia"!. . . . Vó, Vó... fala comigo! Vó!
Fulaninha é uma das minhas Tias por parte de minha vó materna e salvo engano, está com mais de 60 anos.
Inacabado...