O Homem Estuprado

Muito prazer: meu nome é Carlos Maria Dolarbela. Brasileiro, casado, heterossexual, residente à Avenida Nações Unidas em Teresina, advogado atuante na Vara da Família há mais de quarenta anos.

Já começo lhes pedindo desculpas. Como disse, sou heterossexual, macho sim senhores, mas trabalhar na Vara dos outros me incomoda e muito. Não sei como não apareceu ainda alguém de bom senso para mudar essa infeliz nomenclatura. Também lhes peço desculpas por meu pai pela falta de tato no momento de me registrar em cartório. Como disse anteriormente e só poderia ser anteriormente, meu nome é Carlos Maria Dolarbela. Ora, “Maria do lar bela” está longe de ser um nome digno de um heterossexual convicto e atuante.

Quando a gente pensa que é um “super qualquer coisa na vida, que é o tal”, nos aparece uma encrenca a nos nivelar por baixo com os comuns. Sou respeitado entre meus pares e lhe sirvo de consultor em muitos casos complicados. Nunca pensei de encerrar minha carreira jurídica passando por constrangimentos. Este mês, acompanhei um cliente que faria uma denuncia de estupro contra sua ex-mulher, na Delegacia da Mulher.

Ainda hoje não entendi o porquê das Delegadas das delegacias das mulheres serem sempre feministas e essa Delegada, doutora Dúbia Bitencourt já passou das medidas. Data vênia, mas qual a possibilidade de alguém obter fruição dando parte de um taxista no sindicato dos taxistas? Quando meu constituinte disse ter sido estuprado pela ex-companheira, a Delegada descaradamente abriu um sorriso tanto de descrédito, quanto de zombaria. Se fosse uma mulher acusando um estuprador, a Delegada já tinha juízo formado, até assessoraria a vítima no processo acusatório. Eu entendo que o estupro seja um crime hediondo sim, meio milímetro abaixo do homicídio qualificado, mas Themis, a deusa da justiça, embora sendo uma figura feminina desconhece sexo. Homem ou mulher que seja estuprado dever ter o mesmo atendimento por parte da Justiça.

Neste ponto, eu falei pra senhora Delegada que não admitiria desrespeito ao meu cliente. Ela me respondeu fazendo questão de separar propositadamente as sílabas de meu sobrenome:

- Doutor “Maria Do-lar-bela” contenha-se, contenha-se!

- Muito bem doutora delegada, mas se a senhora vai partir pra gozação, lembre-se que a senhora está em desvantagem.

- Como assim?

- A senhora realmente está me saindo dúbia e seu marido deve ser muito feliz já que a senhora tem dois do que todos nós temos apenas um (Bi tem ku)

- Posso lhe prender por desacato à autoridade.

- Não nesse caso.

Continuando o depoimento depois de um breve silêncio, meu cliente disse que embora ele e a mulher estivessem separados apenas bocalmente (entendam: verbalmente), por exiguidade de espaço, continuavam dormindo na mesma cama, respeitando-se o espaço territorialmente do outro. Que havia uma linha imaginária bipartindo a cama no sentido longitudinal, onde ambos não poderiam penetrar, nem contornar como o mesmo fim.

Neste ponto pedi gentilmente à delegada que mandasse o escrivão substituir a palavra PENETRAR por ultrapassar, no que fui atendido.

Meu constituinte continuou dizendo que na noite do crime, ele acordara sendo molestado por uma mão feminina, que ele bem conhecia do passado, acariciando-lhe as partes íntimas, dentro de seu território e que por isso era inerente ao caso que ele sentisse vibrações estimulantes no corpo debilitado. Nesse ponto a delegada lhe questionou:

- O depoente dormia de calça jeans?

- Protestei: Isso não é relevante, no seu habitat meu cliente é livre, mas permito que ele responda... meu cliente respondeu afirmando que dormia sempre sem roupas, completamente nu.

A delegada novamente sorriu sarcasticamente e afirmou que meu constituinte estava diretamente não apenas incitando o acontecimento como desejando. Que ele não poderia registrar tal queixa, pois isso era consentimento premeditado, embora veladamente.

Fui obrigado a reagir e disse: - Doutora, a senhora com essa minissaia já deu duas cruzadas de pernas em nossa frente e nem por isso nos sentimos incitados a lhe bulinar. Sua observação já é um julgamento e esse não é seu ofício.

A Delegada ainda perguntou afirmando: Seja sincero, o senhor estava gostando daquela mão boba?

Protestei afirmando que aquela era uma pergunta tendenciosa e que meu constituinte não responderia a tal provocação.

A delegada depois de mais alguns minutos, encerrou o depoimento e nos disse que chamaria acusada para se defender.

Eis a questão: Se o acusado fosse um homem, esse seria procurado pela polícia e seria preso e com justiça, como era mulher, apenas seria convocada para se defender.

“Algumas delegadas parecem desconhecer as leis vigentes no país. Verifica-se, na Lei, a fusão do crime de atentado violento ao pudor (art. 214) ao novo crime de estupro (art. 213), onde os sujeitos ativo e passivo podem ser tanto o homem quanto a mulher, e, caracterizando o estupro a prática de qualquer ato libidinoso em desfavor da vítima. Não explicita a obrigatoriedade de “penetração.”

“Portanto, o crime que anteriormente era “bi-próprio”, ou seja, exigia-se a condição especial do sujeito ativo, que somente poderia ser homem, e, do sujeito passivo, que somente poderia ser mulher, passou a ser considerado crime “comum”, podendo ser praticado por homem ou mulher, bem como, podendo ter, também, como sujeito passivo, homem ou mulher.”

Estamos aguardando o desenrolar desse novelo, que parece vai dar em novela. A lei que configura o crime de estupro, foi muito mal redigida e ainda pior aplicada. É do conhecimento de todos que nas estradas, postos de combustíveis e nas praças, crianças se oferecem livremente à prática do sexo e em muitos casos com o consentimento dos pais. Uma vez feito o fragrante pela autoridade policial, o agressor vai preso e deve ser preso, mas nada acontece com a outra parte, dita agredida, que meia hora depois estará liberta para pegar outros otários. Todos conhecem esses fatos, desde a Igreja ao MPF, Juizado da Infância e Adolescente e sindicato das putas, que se diga, não está gostando nada dessa concorrência desleal.

São coisas de minha terra.

Um Piauiense Armengador de Versos
Enviado por Um Piauiense Armengador de Versos em 10/12/2016
Reeditado em 10/12/2016
Código do texto: T5848960
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