O CURUPIRA
Sebastião, Leonel e Bodinho, exímios mateiros e experientes trabalhadores rurais da região do Alto Solimões foram contratados pelo Coronel Raimundo Afonso de Siqueira Cavalcanti (Coronel Mundico) para constituírem uma sólida equipe de trabalho. Seriam eles, durante três meses, os responsáveis diretos pela exploração e colheita da afortunada safra de látex e castanha, que à época, produziam expressiva renda aos barracões comerciais instalados no interior do Estado do Amazonas.
O látex como matéria prima tinha seu peso em ouro na produção industrial norte-americana e europeia, enquanto a castanha da Amazônia era um requinte caríssimo e exótico apreciado em vários países do mundo!
Os três companheiros, após dois dias navegando rio acima, chegaram a propriedade extrativa do Coronel. Entretanto, depois de duas semanas, num dia de sol nublado, o Coronel latifundiário viu ancorar no porto de sua propriedade, uma imensa igarité, que mesmo antes de ter o cabo amarrado pode ver o desembarque desajeitado daqueles três homens maltrapilhos e sujos. Ao se aproximarem do barracão não tardou identificar os três cearenses que tinha contratado: o nego Sebastião, o Leonel e o Bodinho, que naquele momento deveriam estar coordenando a expedição da colheita dos produtos extrativistas que a natureza da região primaverava. De pronto, bradou o Coronel:
— Mas Sebastião, o que está acontecendo homem de Deus, por que já voltaram? Onde estão às pelas de borracha? E as castanhas, onde estão? Quem ficou tomando conta da produção?
Ao se atentar as condições em que seus capatazes estavam, com a voz em gritos de espanto, continuou a indagar:
— “Vixe” Maria, minha Santa Mãezinha, vocês brigaram? Aconteceu algum problema grave no Seringal? Por que estão com os rostos cortados, todo “lapiado”? E todo esse sangue em vocês, o que foi que houve? Desembuchem logo homens de Deus!
Sebastião, sabendo que iria narrar uma história difícil de acreditar, foi logo sentando e pedindo ao Coronel que providenciasse uns tragos de pinga Cocal, pois o momento pedia uma boa aguardente de cana para acalmar a tensão e os desânimos do momento. Depois de acomodados e servidos começaram a contar a fatídica história, tintim por tintim:
— Há meu patrãozinho, “nós quase morre numa briga”. Eu, Leonel e o “cumpadi” Bodinho brigamos feio com um bicho do mato. Mas não foi qualquer um não, foi com o "tar" de Curupira!
Mas que conversa é essa? Questionou Coronel Mundico!
Depois de todo o alvoroço e dos ânimos apaziguados, Sebastião começou a explicar os detalhes daquela inacreditável aventura:
— Meu “coroné” lembro que estava dormindo na minha rede enquanto o Leonel e “o cumpadi” Bodinho dormiam na cama de esteira de tupé que ficava a uns dez passos de onde eu me aconchegava. Era a noite deles vigiarem o paiol, que mesmo conjugado ao barracão fazíamos questão de cuidarmos de perto durante a noite.
— O “cumpadi” Bodinho tinha uma “tar” mania besta de tirar sarro com os "brabos" colocando fumo de corda na cumeeira da casa dizendo que aquele tabaco era para o Curupira vir fumar. Mas patrãozinho, nessa “arrumação” à gente se deu mal.
— Três dias atrás, numa dessas noites escuras e nublada pela friagem, o “cumpadi” Bodinho, que tinha bebido todas, começou a dar uma de “homem brabo”. E nessa noitada ele propositadamente deixou de colocar o bendito fumo de tabaco no local de sempre, e ainda gritou lá da varanda da casa, que se ele, o Curupira, ainda quisesse o fumo teria que pagar por ele, pôs o dele já estava acabando e não ia mais ficar sustentando bicho do mato, “filho” de assombração! Todos riram muito da “marmota” do infeliz ébrio. E como sempre, após o jantar, fomos deitar "pra modi" de descansar o corpo e dar conta da lida do dia seguinte.
— Sabe patrão o esquisito disso tudo era, que apesar de não acreditar nesse "tar" de Curupira, as trouxas de tabaco nunca amanheciam lá na cumeeira da casa, mas "nos pensava” que o próprio “cumpadi” Bodinho, depois, “pra” tirar onda de “nos” retirava o bagulho “pra” ir fumar lá nas colocações do seringal sem ter que dividir com os "pião".
— Já era por volta das três horas da matina e o jantar ainda pesava no estomago quando acordei com aquela zoada “horrívi” que parecia está quebrando tudo dentro do barraco. Levantei achando que eram as queixadas que estavam passando por baixo do jirau fazendo estremecer os esteios da casa. E o senhor sabe que esses bichos "são demais gostoso," mas são também umas feras!
— Mas quando acendi o lampião de querosene, vi que tinha um bichão fedorento, peludo, com os cabelos "afôgalhados" e os pés virados para trás quebrando tudo. No meio do susto depois de tirar as "remela" e aprumar os olhos vi que a fera estava brigando com os meus dois amigos de lida. Foi quando o Leonel gritou e eu caí na real:
— Sebastião, socorro! Acode aqui! O Curupira “tá querendo comer “nós”!
— Como tínhamos deixado os "terçados" nas colocações dos castanhais e não dava para usar a Marinete, quer dizer, a espingarda que estava sempre ao meu alcance, pois poderia de certo matar um dos colegas no meio daquela penumbra, foi o jeito patrãozinho ir pra cima do bichão na “porrada” bruta, ir pra briga na marra, com ou sem coragem. Todo mundo sabe Coronel que eu não sou homem de deixar amigo meu no sufoco, ainda tive tempo de pedir proteção ao meu São José e a minha Nossa Senhora de Guadalupe. Aí, me benzi três vezes e corri pra dentro da briga pra salvar os parceiros!
— Patrãozinho foi pau pra todo lado. O bichão da peste só não matou “nós”, porque o compadre Bodinho puxou de dentro da ceroula dele um punhado de fumo de corda e entregou pro danado do bicho assombroso. Só aí ele deixou “nós em paz” e saiu correndo quebrando tudo que estava a sua frente. Deu tempo de “nós” ver quando a aparição montou num enorme porco do mato e se embrenhou pela floresta adentro até sumir de vista. Minutos depois Coronel “nós não sabia” se naquele momento “nós” ia pro mato com uma expedição de cabra macho para caçar a fera ou se dávamos uma bela coça no “cumpadi” Bodinho. Ficamos discutindo isso, mas chegamos à conclusão que seria em vão ir à caça da besta-fera, já o compadre Bodinho, coitado, estava todo lascado “mermo”! Os companheiros de mais tempo de lida “falou pra nós” que agora que o Curupira tinha se estranhado com a gente, seria melhor voltarmos pra casa, pois lá no meio da floresta ele estaria sempre à nossa espreita esperando a oportunidade de “fazer de nós” um bom prato de comida para oferecer a sua amiga e comadre onça pintada.
— E é por isso coronel que “nós veio” aqui lhe entregar o resto do rancho, e acertar os dias trabalhados, pois “nós não somo doido” de continuar embrenhado no meio desta floresta depois do que “nós” presenciou. Eu era um homem descrente, mas agora eu posso lhe dizer que acredito “mermo” nessas coisas de assombração, pois eu vi com esses olhos que a terra há de comer. Agora creio realmente que quem "banzeirava" nossa canoa no meio desse riozão era a Cobra Grande. Todo mundo dizia e só eu não acreditava.
— Agora Coronel, quando eu chegar em casa, a primeira coisa que vou fazer é pedir perdão a minha mulher. Depois que casei com ela as comadres fuxiqueiras diziam que o "meu" menino era filho do padre Nonato, um “homem santo” que se hospedava em nossa casa quando ia rezar as missas lá na comunidade. Mas ela me jurou de pés atados que aquele menino branquinho dos cabelos clarinhos e olhos azulados, se não fosse meu filho só podia então ser filho do boto “vermêio” que certa feita encantou ela lá na beira do rio, logo depois de “nós” ter casado. Nessa época eu fiquei uns meses fora trabalhando no seringal do seu Aristides lá pelas bandas do Curutiá. Mas eu tinha minhas dúvidas. Agora não mais. Vou rezar pedindo perdão pelos pensamentos ruins que tinha do padre Natinho e por ter duvidado tanto de minha amada mulher. Agora eu sei que o menino deve ser “mermo” filho do dito bicho encantado, porque não parece nada comigo. Eu, que desde jovem já escutava essas histórias de boto, nunca tinha acreditado. Ah, boto desgraçado se eu ti pego hoje seu nojento!
— Mas Coronel, agora estou mais experiente na vida. Sou outro homem mais sabido, mais esperto e crente também das histórias de assombração!
Depois deste fatídico dia nunca mais se ouviu falar de Sebastião, nem mesmo do Curupira. Porém, rezam os mais antigos que durante muito tempo se escutou gargalhadas profundas vindas do seio da floresta, lá das bandas dos castanhais do Coronel Mundico. Mas não pensem que eram desfeitas em risos estrondosos arvorados pelo Curupira, não! Eram os amigos de Sebastião, que entre uma história e outra, relembravam o ingênuo causo do “padre e do boto" narrado ao Coronel, e que logo se espalhou feito rastro de pólvora nas histórias que corriam de boca em boca pela região. Como dizem por aí, às vezes o melhor mesmo é ser amigo da onça, ou neste caso, do próprio Curupira!
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— Quando chegar em casa Coronel, a primeira coisa que vou fazer é pedir perdão a minha mulher. Depois que casei com ela as comadres fuxiqueiras diziam que aquele "meu" menino era filho do padre Nonato, um “homem santo” que se hospedava em nossa casa quando ia rezar as missas lá na comunidade. Mas ela me jurou Coronel que aquele "meu" menino branquinho dos cabelos clarinhos, se não fosse meu filho era então filho do boto “vermêio” que certa feita encantou ela lá na beira do rio, logo depois de “nós” ter casado. Nessa época eu fiquei uns meses fora trabalhando no seringal do seu Aristides lá pras bandas do Curutiá. Mas eu tinha minhas dúvidas. Agora não mais. Vou rezar pedindo perdão pelos pensamentos ruins que tinha do padre Natinho e por ter duvidado tanto de minha amada mulher. Agora eu sei que o menino deve ser “mermo” é filho do dito bicho encantado, porque não parece nada comigo. Eu desde jovem já escutava essas histórias de boto, mas nunca tinha acreditado. Ah, boto desgraçado se eu ti pego seu nojento!
— Mas Coronel, agora estou mais experiente na vida. Sou outro homem mais sabido, mais esperto e crente também das histórias de assombração!
Depois deste fatídico dia nunca mais se ouviu falar de Sebastião, nem mesmo do Curupira. Mas reza os mais antigos que durante muito tempo se escutou gargalhadas profundas vindas do seio da floresta, lá das bandas dos castanhais do Coronel Mundico. Mas não eram desfeitas em risos estrondosos arvorados pelo Curupira, não! Eram os amigos de Sebastião, que entre uma história e outra, relembravam o ingênuo causo do "padre e do boto" narrado ao Coronel, e que logo se espalhou pelo fuxico das histórias que corriam de boca em boca pela região. Como dizem por ai, às vezes o melhor mesmo é ser amigo da onça, ou neste caso, do próprio Curupira!