Melhor idade
Não conhecia a cidade grande. Um fervedouro dos diachos. Carros pra lá, carros pra cá e se vão carros. Dentro motoristas falando no tal celular. Num respeitando farol. Um fuzuê bixiguento. Com a barriga nas costas, convidei minha veia para comer uma coxinha de galinha e tomar um copo de tubaína. Antigamente nós bebíamos era guaraná que vinha tampado com rolha. Faz tanto tempo, que nem lembrava mais.
O comércio estava fechado. Nenhuma lanchonete aberta. Indaguei à minha patroa se era feriado, ao que ela respondeu que se eu num sabia, ela também não. Sabe como é quem mora na roça, nem relógio tem. Comprei um especialmente quando fui visitar Nossa Senhora Aparecida na basílica, naquela época num haviam feito a nova. Fiz promessa prela, pra eu e minha patroa ir lá conhecer a nova residência dela; deve ser bonita pra chuchu. Vou fazer o sinal da cruz em respeito à santa.
Falamos e nos vangloriamos tanto que esquecemos da fome que roncava serena, misturado com as lombrigas na barriga; foi quando a miserenta apertou de vez e nós lembramos que tínhamos algo por fazer de imediato. Descemos a primeira rua, que um guarda de casquete na cabeça e cassetete de lado na cintura recomendou para procurar comida. Se dependesse de mim, acabava com todo esse troço de Mc-bomba que as crianças adoram comer. Eu, heim! Dizem que o tal lanche é feito com minhoca. Minhoca, quem gosta de minhoca é anzol, pra depois agente vê a bichinha chorando na vara! Pescar é coisa boa! Já pesquei muito, mas a vida é danada, agente vai ficando velho e perde a vontade de tudo: até de pescar, né não patroa?
- Num sei de nada.
Minha patroa aprendeu com Diu má falar “num sei não”. Melhor num falar nada; é gente boa e fim de papo e estamos casados desde o dia que o padre liberou pra gente fazer bobagem debaixo do cobertor e ela, minha santa esposa cozinha bem, mas quando enfeza, sai de baixo. Em vez de chamar de mô, chama de jararaca; de tudo quanto é nome. Ela diz que é porque sou meio peçonhento. Sou mesmo: se tiver nos meus direitos, inoculo veneno mesmo.
Pois bem, você num sabe que eu e a mulher ficamos perdido!? Subimos e descemos procurando o tal lugar de comer, conforme ensinado pelo candango do guarda, mas não achamos nada. Voltamos pra trás, agora pra procurar pelo guarda, mas o filho da mãe já tinha evadido do lugar. Ficamos rodando sem sair do lugar feito peru tonto. Por falar nisto, lembro como se fosse agora, da morte do último peru que matei. Coitado, não merecia tanto sofrimento. Passei a faca na garganta do infeliz. O bicho esperneou, gritou, chamou pela mãe, correu como corisco, mas não resistiu: caiu de patas para ar, como morre uma barata. Deus que o tenha em um santo lugar.
Achei o lugar; sei lá: acho que achei: era um estabelecimento de duas portas. Mas num adiantava nada, pois as portas estavam abaixadas e trancadas com um monte de cadeados. Pensei comigo, esse lugar deve ser perigoso, deve ser como o Datena fala na televisão. Em cima das portas tinha um anúncio, como num sei ler, pedi para minha mulher ler. Gaguejando, feito o cacarejo de galinha, parecendo uma vitrola enguiçada, ela ia soletrando as palavras, de modo que depois de 10 minutos, ela conseguiu juntar tudo numa frase só: “Abaixamos as portas em definitivo. Quem comeu, comeu; quem não comeu, não come mais. Aposentamos de vender comida. Agradecemos aos clientes e amigos que nos acompanharam em todos esses 50 anos”.
Retado e com as pernas bambas, feito maria-mole, falei pra mulher: “Patroa, vamos embora desta merda. Agente se come em casa. Manda esses viados enfiar o prato deles no escorredor, com garfo e tudo”. E sai tão furioso, mas tão furioso, que cheguei em casa e nem comi a comida requentada da patroa. Coitada, ficou tão chateada! Fazer o quê: pra comer bem o feijão com arroz sem sal nosso de todos os dias, agente tem que estar, além da fome do tamanho de um elefante, com a cabeça boa. Naquele dia estava péssimo pela falta de respeito que fizeram com com quem tá com a cabeça russa, de tão branca pela montoeira de anos. Ééé, agente aposenta de tudo.