AS SANDÁLIAS DO JOÃO GENEROSO

Um simples pescador, vivia sua labuta diária, às vezes farta e por outras, tempos de penúria, chamava-se João Generoso, mas, só o chamavam de Generoso, pois com um coração maior do que lhe cabia dentro do peito, mesmo nos dias mais difíceis, era incapaz de ver um outro companheiro pescador em necessidade de fome, que ele não dividisse o pouco que tinha para alimentar sua esposa e filha, mesmo que com isso, fosse diminuir ainda mais o sacrifício. Sempre dizia, que se fosse o inverso, ele saberia que também poderia contar com o amigo, nem sempre isso se realizava, mas isso, não modificava suas atitudes, sempre muito generoso, e sua família pensava da mesma forma que ele, eram felizes em sua humilde simplicidade.

Tinha o hábito de sempre usar suas sandálias de dedo, mesmo na areia, não se sentia bem sem elas, a maioria de seus colegas de profissão, andavam, quase que permanentemente descalços, já ele, não se acostumava a ficar sem as sandálias. Sempre que uma se gastava, ele comprava outra, mas não andava sem elas.

Num mês de março de águas revoltas e magras, muita gente em situação difícil, mal dava para o sustento básico, o que conseguiam a duras penas pescar, João Generoso teve um sonho estranho e acordou suado, se levantou da cama e foi tomar um gole de água para se acalmar. No sonho um senhor de barbas grisalhas e de fala suave, lhe dizia para se levantar imediatamente, calçar as sandálias e sair com o barquinho para pescar. E que fosse e voltasse três vezes. Ele já refeito do sonho, foi até a varanda e o mar estava muito mexido, mas, não tinha ondas como em todos os outros dias daquele mês de penúria. De cócoras na escada da varanda, ele ouviu de novo, dentro de sua cabeça, a mesma voz, e se assustou, observando o mar outra vez, percebeu uma luz forte como um farol, mas só que a luz vinha de cima, apontando para uma determinada área naquele imenso horizonte, estranhou a luz, mas, resolveu voltar para a cama. Nem tinha dado dois passos e ouviu a voz de novo, só que ela ficava repetindo e repetindo a mesma coisa de antes.

Sua família estava dormindo, ninguém estava na praia, era bem tarde, não gostava de sair sozinho para o mar, muito menos sem aviso. Ainda assim, tomou uma decisão, calçou as sandálias, foi até o seu barco, levando um lampião, aprontou a rede e partiu na direção da tal luz, não era muito distante assim da praia, só tinha medo que o mar virasse e ele não pudesse voltar e ninguém daria falta dele até o amanhecer, se apegando em sua fé inabalável, seguiu em frente, Deus havia de protegê-lo. 

Durante o percurso, não avistava nenhum movimento de peixes, parecia que o mar estava morto e embora mexido, a corrente o empurrava para a tal luz brilhante no horizonte. Para seu espanto, logo que começou a se aproximar da luz, ela ia ficando cada vez mais baixa, como que, apontando o ponto exato, para que ele lançasse a sua rede, por um instante não pode acreditar no que assistia à sua volta, vários cardumes de peixes rodeavam o barco, pareciam pedir para serem colhidos, como frutas em uma árvore, refeito da pasmaceira momentânea, ele lançou sua rede e ela imediatamente ficou repleta, daria uma boa renda e a família e os companheiros partilhariam dessa bendita graça. Lembrou-se então, que deveria fazer o mesmo por três vezes, voltou o mais rápido que pode até a praia, desta vez, não pensou duas vezes, não daria tempo de descarregar o barco, então pegou o barco de um colega que morava ao lado de sua casa e lançou-se ao mar, para mais uma pesca divina, fez o mesmo da outra vez, mas, desta feita com um outro barco de outro pescador, era tanto peixe, mas, tanto peixe, que ao retornar da última viagem, se ajoelhou exausto na areia e agradeceu aos céus, com todo o fervor. Correu para casa e acordou apenas a esposa, pois a filha ainda era pequenina, contou-lhe o acontecido, juntos oraram outras tantas vezes, e partiram em correria e gritos, para acordar os outros pescadores, pois precisariam de ajuda para armazenar e dividir, tantos peixes.

Em meio a correria, João Generoso, percebeu que, o mar voltara a ficar raivoso e a luz no horizonte desaparecera, tinha sido mesmo Deus que falara com ele. Aos atropelos, ele e a esposa foram narrando o tinha acontecido e os outros pescadores, acendendo lampiões e dando graças em correria desabalada, riam e se abraçavam com lágrimas nos olhos, era muita benção e alegria, que teriam que partilhar com amor nos corações.

Na noite escura naquele pedaço de mar, por algum tempo só se falava nisso, por anos a fio, só se replicava a história do milagre da pesca, endereçado ao pescador João Generoso das sandálias, abençoadas por Deus. Se esse causo bonito foi verdade ou não, não posso confirmar, mas, num belo dia de Sol, deitada numa esteira numa linda praia, ouvi essa história cheia de emoção, lá na Bahia, de uma baianinha já idosa, muito risonha, vendedora de cocadas, arretada que só, de olhos pequeninos e brilhantes, chamada Dona Naná.
 
Cristina Gaspar
Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2015.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 15/09/2015
Reeditado em 15/09/2015
Código do texto: T5383404
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