*Um amigo é para acudir outro.

Um amigo é para acudir outro.

Dizem as mulheres que os homens são muito mais amigos entre si, do que elas entre elas. Eu nunca tinha me dado conta disso, tanto que senti uma grata e grande surpresa, quando ouvi essa afirmação pela primeira vez.

Para justificar essa tese, dizem que os homens são mancomunados, com o intuito de ocultarem as mazelas uns dos outros. Claro que isso é apenas uma das tresloucadas filosofias femininas e está longe de ser verdade.

Algumas situações, embora acontecidas aleatoriamente por obra do inesperado, parecem realmente arquitetadas com a conivência de outros.

Assim foi que um amigo meu, em Teresina, começou a fazer o “juízo da mulher” sobre um determinado jogo de futebol que iria acontecer numa quarta-feira à noite. Ele precisava ir ao tal evento e, para que a mulher não fosse apanhada de surpresa, ele começou a divulgar com uma boa antecedência.

A mulher dele não gostava de futebol por três razões. A primeira era porque, naquela época, os jogos televisionados à noite, aconteciam logo após o Jornal Nacional, portanto não tinha novela naquela noite. A segunda era porque um jogo de futebol, que durava noventa minutos, incompreensivelmente gerava comentários bestas por uma semana inteira. E a terceira, porque não gostava mesmo.

Na noite do jogo, por arte do diacho, ele se arrumou bem mais que o normal e embora não tivesse o costume de beijar, beijou a mulher e se mandou. O estádio, ainda que não fosse tão perto, dava para ir a pé e foi exatamente o que ele fez. Na metade do caminho, ao passar em frente ao Bar do Pio, ponto muito frequentado, foi avistado por outros dois amigos nossos que o convenceram a ficar e esquecer o tal jogo de futebol.

Em casa, a mulher que já estava um tanto desconfiada, sabe-se lá a mando de quem, sem que nem pra que, ligou o rádio exatamente no momento em que o radialista dava a seguinte notícia:

“Estamos apresentando um suplemento musical, em decorrência do adiamento da partida de futebol que seria realizada esta noite, no Estádio Albertão, devido a um acidente rodoviário envolvendo a delegação do time visitante. Pedimos desculpas e continuamos com o suplemento musical. Obrigado.”

Lá no bar, entre uma gelada e outra, muita conversa divertida, cada qual contando uma pabulagem maior. Ninguém estava sabendo nada sobre o adiamento da partida. Lá para as tantas, meu amigo olha o relógio e disse, assustado:

– Vige Maria! O jogo já terminou e faz é hora. Vocês me desculpem, mas vou picar a mula.

Pagou a parte dele na despesa, cascou fora, sem saber que, em casa, a mulher já estava P da vida com tanta demora e sem imaginar o tamanho do abacaxi que teria que descascar!

Ao chegar, a mulher já sentiu o cheiro da bebida que ele tinha tomado e perguntou:

– Então, como foi o jogo?

– Oxente, “tá” sabendo não? Vencemos fácil, de 2 x 0.

Pronto, a confusão estava armada. Na cabeça da mulher, muitas coisas se passaram a um só tempo. O marido saíra para um evento que não acontecera, chegou contanto inverdades e, ainda por cima, com cheiro de bebida! Como não desconfiar? Só podia ter “outra” na jogada.

Por outro lado, o marido ficou sem chão, quando a mulher lhe falou, enfurecida, que não acontecera jogo algum.

Para “limpar a barra”, contou toda a verdade, mas vendo que a mulher não acreditava mais numa só palavra, pediu que ela me ligasse para confirmar. Ela sabia que eu era uma pessoa íntegra.

Ora, eu estava em minha casa, sem saber de nada, e fiquei surpreso ao reconhecer a voz dela ao telefone, àquela hora da noite.

– Alô, boa noite! – disse eu.

– Boa noite. Rapaz, o Chico saiu hoje à noite cedo, até agora não retornou, acho que foi “tomar umas por aí...”

– Oxe! Se preocupe não, ele está aqui comigo, daqui a pouco ele chega aí...

Dizendo isso, afastei o telefone da boca, e de modo que ela escutasse do outro lado, ainda completei, fingindo que estava falando com ele:

– Bicho, tua mulher está preocupada com tua demora...

Isso não foi apenas a gota d’água que faltava para transbordar o oceano, foi um maremoto.

Nesses momentos, é que a gente vê o desastre da ajuda no momento errado, feito por quem não tem qualificação.

No dia seguinte, quando nos encontramos no trabalho, não deu para suportar tanta zoeira. À noite, tive que ir à casa deles, para desfazer a minha parte na confusão, mas ficou a certeza de que um amigo é pra acudir outro, mesmo que, como diz o alemão: “Fique o emenda pior que o soneta.”

São coisas de minha terra...