A PINGUINHA DO DR. CINTRA
No começo do século XX, foi criada uma ferrovia, que tinha o nome de “Estrada de Ferro São Paulo-Goyaz”, e que tinha como objetivo inicial, nascer na cidade de Bebedouro, no Estado de São Paulo e se prolongar até o Estado de Goyaz. Entretanto, por problemas de recurso, o primeiro trecho ficou entre Bebedouro e Monte Azul. Nascia em Bebedouro e passava por 07 estações ferroviárias. Algumas bem pequenas. Bebedouro, Miragem, Botafogo, Atalaia, Da. Luiza, Granada (atual povoado de Rosário) e Monte Azul. Em 1912 a ferrovia associou-se com a “Companhia Estrada de Ferro Pitangueiras” permanecendo com o mesmo nome “Estrada de Ferro São Paulo-Goyaz”. Em 1914 foi prolongado o trecho de Monte Azul a Villa Olímpia. Infelizmente, neste mesmo ano a empresa entrou em falência, mas permanecendo com as suas atividades normais, mesmo precariamente.
Em 05 de março de 1910 foi realizada a viagem inaugural, de Bebedouro a Monte Azul e em 29 de março a primeira viagem oficial.
As dificuldades para a construção se dava por conta das desapropriações das terras por onde passaria a ferrovia.
Em 1912 a ferrovia associou-se com a “Companhia Estrada de Ferro Pitangueiras” permanecendo com o mesmo nome “Estrada de Ferro São Paulo-Goyaz”. Em 1914 foi prolongado o trecho de Monte Azul a Villa Olímpia. Infelizmente, neste mesmo ano a empresa entrou em falência, mas permanecendo com as suas atividades normais, mesmo precariamente. Desde o início de suas atividades a São Paulo-Goyaz recebera ajuda e auxílio da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, e neste momento de crise não seria diferente, pois a Companhia Paulista a considerava estratégica. Após 02 anos, em 1916 a empresa fora leiloada e passou a denominar-se “Companhia Ferroviária São Paulo-Goyaz”.
Em 1916 a estação de Passagem em Pitangueiras foi interligada a estação de Bebedouro. Em 1927 a empresa vendera sua linha férrea de Passagem a Bebedouro para Companhia Paulista de Estrada de Ferro, ficando somente com o trecho Bebedouro a Villa Olímpia. Em 1931 a São Paulo-Goyaz prolongou a estrada de ferro de Villa Olímpia até Nova Granada.
Nessa época, na década de 30, meu avô, Benedicto Antonio Lopes, e meu pai, Antonio Lopes de Oliveira, trabalhavam na ferrovia na parte de manutenção das linhas férreas. Trabalhavam numa turma que era denominada de “soca”, porque o trabalho consistia em fazer a substituição de “dormentes” danificados. Os dormentes eram toras de madeira lavradas com “enxó” para deixá-las, mais ou menos, aparelhadas, e sobre elas eram fixados os trilhos. Ainda hoje o processo de fixação dos trilhos das vias férreas é semelhante, somente que hoje os dormentes são feitos de concreto.
E as turmas de manutenção tinham o apelido de “soca” porque os trabalhadores tinham que cavar em torno do dormente até que ele ficasse totalmente livre, então o mesmo era revomido com a utilização de alavancas, para colocar outro no seu lugar, sob os trilhos. Aí começava um trabalho de apiloamento em torno do dormente, aonde o trabalhador ia socando a terra fazendo com que ela entrasse por baixo do dormente para que ele ficasse bem encontado nos trilhos, servindo de apoio. Depois que o dormente estava instalado e bem socado, o trabalhador furava o dormente com a utilização de um “trado” e, usando “pregos de linha” fixava os dormentes nos trilhos.
Era um trabalho duro e penoso, que dependia mais da força bruta dos trabalhadores do que de equipamentos, que naquela época eram bastante escassos. As ferramentas eram: enxadão, picareta, alavancas, tenazes para movimentar os trilhos, trados para furar os dormentes e marretas para bater os pregos de fixação dos trilhos.
Meu pai começou a trabalhar na ferrovia, junto com meu avô, ainda bem jovem. Deveria ter uns 16 anos de idade. Ele era nascido em 10 de outubro de 1916, deve ter começado a trabalhar na ferrovia em 1932. Um fato interessante é que meu pai era analfabeto, e aprendeu a ler e escrever com os demais trabalhadores da turma. Ele era uma pessoa muito esforçada e inteligente, pois, além de ter aprendido a ler e escrever sem ter frequentado escola, ele conseguiu a chegar ao cargo de “Feitor” de turma.
Nas turmas tinha um empregado com o cargo de “Mestre-linha”, seria o equivalente, hoje, a um cargo de técnico. Abaixo vinha o feitor, e os demais eram trabalhadores que, pelo serviço que executavam, poderiam ser classificados como trabalhadores braçais.
Meu pai chegou a trabalhar nas etapas de construção para o prolongamento até a cidade de Olímpia.
A exemplo do que se vê em alguns filmes de faoreste, quando estavam fazendo a expansão das ferrovias nos Estados Unidos, aqui não era diferente. As turmas iam abrindo as picadas no meio do mato, por onde passariam os trilhos, e por falta de equipamentos, muitos aterros eram feitos transportando terra em carroças puxadas por burros.
Nessa extensão dos trilhos, a Locomotiva, levava os materiais e parava no ponto final da linha. À medida que o lançamento dos trilhos ia sendo feito, ela também avançava mais um pouco, e assim a ferrovia ia sendo construída. Era um verdadeiro milagre como as coisas iam acontecendo.
Existia um engenheiro ferroviário que supervisionava os trabalhos e, periodicamente ele comparecia nas frentes de trabalho.
Os trabalhadores montavam um canteiro de obras, onde era preparada a comida para eles e, muitas vezes ficavam acampados por semanas sem verem suas famílias.
O engenheiro que supervisionava os trabalhos onde meu pai trabalhava, chamava-se Dr. Cintra. Meu pai contava que ele era uma pessoa muito cordata, gostava de conversar com os trabalhadores, ouvir suas histórias.
Quando ele ia para frente de trabalho, utilizava-se do que era chamado de “automóvel de linha”. Tratava-se de um automóvel da época, um Ford 1928, onde eram retiradas as rodas de borracha e colocado rodas de ferro para rodar pelos trilhos.
O Dr. Cintra tinha uma peculiaridade. Gostava de tomar um gole de cachaça ante do almoço, para abrir o apetite. Assim, ele sempre levava sob o banco do seu automóvel de linha, uma garrafinha de pinga.
Na turma do meu pai, segundo ele me contou, tinha um baiano, que tinha o apelido de “Caburé”. Caburé é uma ave de rapina, da família das corujas que tem um canto muito bonito. Esse trabalhador era muito bom para o serviço. Bastava lhe dar uma ordem que ele saia a todo vapor para cumprir a ordem. Às vezes nem prestava muita atenção e já saia correndo como um louco para fazer o serviço.
E foi numa das visitas do Dr. Cintra que se deu um fato hilário. Estava chegando a hora do almoço e o Dr. Cintra sempre almoçava com a turma. Então ele pediu para que alguém fosse até o seu automóvel, que estava estacionado nos trilhos há mais de um quilômetro, e trouxesse sua garrafinha de pinga para ele tomar seu aperitivo.
A ordem dada ao Caburé foi bem clara: Você vai até o automóvel do Dr. Cintra, em baixo do banco tem uma garrafa de pinga, você retira o banco, pega a garrafa e traz para o Dr. Cintra.
Caburé nem esperou para ouvir o resto da ordem e saiu correndo em disparada. O tempo foi passando e nada do Caburé chegar. O pessoal já estava ficando preocupado que tivesse acontecido alguma coisa com o Caburé. Depois de quase uma hora de espera, eis que o Caburé chegou todo suado, trazendo nas costas o assento do banco do automóvel e, chegando perto do engenheiro foi falando – Onde é que o Dr. quer se sentar? Foi um riso geral, e o próprio Dr. Cintra, depois de ver todo o esforço que o Caburé fez para lhe trazer o banco, também deu boas risadas e não repreendeu o trabalhador.
Naquele dia o Dr. Cintra almoçou sem tomar a sua pinguinha de aperitivo!
Ilha Solteira/SP
26/07/2015 – 21:40h