ROSINHA: o REI sem TRONO
Antes de relatar o conto que não é causo e sim pura, nua e crua verossimilidade, tolo e energúmeno é o homem que acredita que as verdades estão nas páginas dos livros e o conceito acadêmico é a fonte da sabedoria; porque, todavia, as teorias explicam e as experiências das mãos às obras resolvem. Todo o universo foi construído com sangue, suor e lágrimas.
Portanto, prefiro articular meu conhecimento (se é que o tenho) no aforismo criado por mim que é: nada sei se nada aprendo com quem tudo sabe e obviamente estou falando dos iluminados matutos do sertão. Basta parar para ouvi-los, como fez Guimarães Rosa e num momento qualquer seus ensinamentos se farão presentes à resolução tarefa; o resto não passa de bazofias para encher páginas e páginas de celulose depurada e fator de destruição ambiental.
Findado o introito que principia a arte de viver às próprias expensas, inicia-se outra; afinal, o palco está sempre montado para os novos e angustiados atores e foi o que me aconteceu nos tempos de República, residência transformada em moradia para estudantes ou mundanos do trecho. Para o proprietário não importava quem agrupava no mesmo ambiente; mas o montante dinheiro que lhe entupia o bolso no fim de mês. Experiências é o que não faltam para afirmar que o ser humano é mesquinho e ordinário, caso o leitor me venha com desculpas esfarrapadas, dizendo que não é bem assim e que é diferente, apresento-lhe o dinheiro e ele se apressará em esquecer o que disse, mostrando a outra faceta. O homem, com unhas felpudas e dentes arreganhados é lobo voraz de seu semelhante.
Naquela época tinha que tornar liquido os grânulos de sal que escorriam da cara se quisesse sobreviver; pois qualquer grão de arroz valia gotas e mais gotas de suor. Morávamos em quatro ou cinco numa casa de dois quartos, assim começava o desequilíbrio da balança e com um dos pratos pendendo, ora para a direita, ora para esquerda íamos ruminando a sorte conforme as possibilidades.
Se era cada um para si e o Diabo para todos, cada um que comprasse o que comer; cada um que lavasse sua roupa e passasse; cada um que escavasse os seus dentes; lavasse a sua bunda; que empunhasse a faca afiada em defesa do patrimônio e assim seguia a procissão para onde hoje ninguém sabe onde foram parar todo aquele penitentes. Sistema abrupto, porém necessário, mesmo porque ou adapta-se às adversidades impostas e imprevistas ou morre. No entanto, nesta caminhada insólita, cruzei com alguns covardes que preferiam dar a cabeça a prêmio e o suicídio era a saída plausível para dias melhores.
Outra verdade que aprendi: o ser humano é rotulado pelas influencias, com isto, nunca sabia quem estava ao meu lado; daí o ditado “antes sozinho que mal acompanhado”. Tudo girava entre a insegurança e as incertezas, dando razão ao futuro em afirmar a certeza de hoje é a incerteza de amanhã e se não for esta a verdade absoluta, procure vasculhar o lixo que encontrarás a podridão; o que não preciso dizer, afinal, sempre liderada por um ser de nacionalidade Brasileira, o mundo está chafurdada nela. Cada dia é um escândalo.
Quando sobrava tempo cronológico e monetário, porque trabalhava como Sansão, personagem do “Revolução dos Bichos” do George Orwell, senão a barriga sinalizava com fortes roncos o desespero da fome e alimentar a avidez por dinheiro do proprietário da pensão; sábado botava as parcas moedas no bolso e ia às compras para comer durante a semana. O que comprar com moedas num país em que a inflação beirava a totalidade do que se possuía no dia?
Feitas as compras, punha-as numa geladeira enferrujada que o motor berrava dia e noite. Dormindo no quarto próximo à cozinha eu e mais outros dois, ouvíamos o barulho infernal e como de costume, sem saber quem é quem em terra de estranhos, nos primeiros dias dormíamos de olhos abertos; o que lembrava as noitadas nos bordéis, pois na madrugada velha todo e qualquer lobo andante é a representação do Diabo, quando não, do lobo devorador da estepe. Depois do pio da coruja espreitando o rato, o ser humano se transforma e tentar conhecê-lo em profundidade é arriscar nos abismos das improbabilidades.
Já ambientado à nova residência, começava tomar ciência de como as mínimas coisas fluíam naquele espaço amorfo; obviamente que o intento era saber dos pormenores, porque a devassidão coletiva mundana, já sabia de cor, sendo portanto, profundo conhecedor, porém cada palco é dominado por leis próprias e a primeira coisa que tem de se fazer é adaptar-se ou fugir em debandada.
Como tudo é aparente, velado e nada imita a fotografia que se revela de imediato e no escuro, notava que algo estava errado; pois abastecia a enferrujada e barulhenta com algumas porcarias para comer, porque o que é sugerido pelos Nutricionistas é balela e custam enormidades de dinheiro e magicamente, desaparecia da geladeira na calada da noite. O guloso não escolhia o que comer, queria mesmo era matar (como matava) a fome sem nada pagar, usando só e tão somente o suor de seu semelhante. Contudo na vida não há males que sejam momentâneos; pois o estúpido do ladrão, o idiota do corrupto, dos ratos ou daqueles que deleitam-se com as facilidades, tornam a invasão de despensa e facilidades momentâneas em eternas ocasiões; motivo de morrerem pela boca e gula.
Havia um colega que trabalhava no Jóquei Clube e com é sabido, 48 horas antes das corridas os cavalos passam por uma lavagem estomacal e intestinal, o que faz com eles se sintam leves e relaxados. Pensei: “se os animais de quatro patas que não roubam nada de ninguém passam por isto, porque não fazer tal experiência para o rato que invade minha despensa quase todas as noites”. Isto pode ser uma boa oportunidade para apresentar ao intruso o peso da fome, afinal, é melhor dois famintos do que um alimentado e outro morrendo à míngua. Não sou pessoa de pensar somente em mim, motivo d´eu praticar a filantropia.
Feita às compras, coloquei-as em outro lugar e abasteci a geladeira com o essencial e com tudo que é chamariz para ratos: um pedaço de queijo que dava água na boca; um litro de leite fervido; uma nesga de carne cuidadosamente assada; um pouco de arroz cozido; uns grãos de feijão bem temperado e para sobremesa, preparei uma bela salada de frutas. E além de introduzir no preparo das iguarias muito amor e carinho, descarreguei uma dose cavalar de laxante. Para não dar alarde, tomei e comi um pouco de tudo; antes do derrame do laxante, é claro! O maior imbecil é aquele que se conhece como imbecil; qualidade que jamais nega e preocupa-se em não ser! O esperto por demais, morre pela boca.
Se é para fazer, que faça por completo e definitivo. Aversivo aos costumes e hábitos do Brasileiro, sempre faço as coisas por completo e nada pelas metades. Ratos tem que ser bem tratados, o que motivou-me a encher as prateleiras da enferrujada, guardando um pouco na despensa para uma possível eventualidade, o adianto dizendo que não aconteceu.
Passou uma noite e nada notei. Na segunda foi batuta! O rato foi à fonte e saboreou de quase toda a agua, semelhante à seca do Cantareira. Pensei: “Brasileiro é povo guloso, egoísta e só pensa nele”. Para conferir de perto e in-loco, naquele dia não fui trabalhar, o que é o pouco para quem tem nada?
Leitor, que doideira foi tentar usar o banheiro! De minuto em minuto estava ocupado e quando um ou outro batia à porta, internamente alguém respondia: “tem gente”; fato que nunca soube quem é esse “tem gente”. Imaginava que o homem-rato é rato-homem e vice-versa; mas ali descobri as diferenças e uma delas é o sistema de moradia e o que comem. Sentia-me extasiado em saber que pelo menos nessas ocasiões, gente é gente e rato é rato. Nesta experiência comecei a descobrir a podridão do ser humano, embora que a hierarquia interna da casa rezava que cada um que limpasse a sua merda; o que delatou o homem-rato de geladeira na madrugada.
No dia que eu falar bem desta praga, erva daninha denominada ser humano, Jesus volta à Terra para arrebatar os seus. Confiantes, com fé e crença, rezem para que isto aconteça o mais rápido possível; o que presumo que tenha sido feito naquela ocasião por Rosinha, o REI sem trono; alcunha batizada e nome dado à peça teatral ensaiada naquela República de mundanos!
Nunca mais sugou o meu suor, o que pesou em minha consciência, pois imaginava que estivesse sugando o suor dos pais. Fiquei pesaroso por um bom tempo, mas livre da sociedade a qual não assinei contrato e obviamente não sabia qual era a minha parcela nas ações da empresa. Será que sociedade é somente para dividir o dinheiro e deixar que o sócio trabalhe para os dois; se é isto sociedade, trabalhei e produzi com o maior prazer e gosto para ambos?
Se curtiu o conto que somente quem conta é quem vivência, deixe as suas digitais nos comentários, pois motiva-me a permanecer firme e rígido escrevendo as minhas peças neste teatro humilhante do respirar a cada segundo à vida; pode ser que lhe seja útil nas incertezas do futuro.