*O pé de macarrão.

O pé de macarrão

Meu avô, quando ainda era menino e morava em Almada, à margem esquerda do Tejo, em terras lusitanas, viveu uma experiência única.

Contou que, certa vez, perguntara à minha bisavó como se fabricava macarrão. Ora, tal arguição parecia descabida, pois na grande maioria das comunidades europeias de então, como ainda hoje nas famílias de imigrantes, é comum produzir seus próprios alimentos, especialmente as massas e os laticínios.

Em tom de brincadeira, sem que meu avô percebesse, seu pai lhe explicou que, no princípio, o macarrão era feito do trigo, mas que isso causava um labor exaustivo. Por isso, um dia, ele resolveu plantá-lo diretamente no solo, a exemplo do que se fazia com o arroz.

Meu avô Antônio, em toda a sua inocência, achou tudo isso normal, apesar de não conhecer a “macarroneira”, ou seja, a árvore do macarrão. Desse modo, juntou algumas sobras de macarrão e plantou-as no quintal, tendo o cuidado de regá-las a cada dois dias.

Esperou, esperou e como nada nascera no local, resolveu abandonar o tal projeto, dando-se por satisfeito de não ter contado nada a ninguém. Percebia agora que tinha sido vítima das gozações de seu pai, uma pessoa sobremaneira espirituosa.

A plantação fora abandonada, mas não esquecida. Passadas umas trinta semanas após o plantio, um dia meu avô foi passando perto do local e notou que havia nascido um arbusto que agora estava com, aproximadamente, um metro e meio de altura.

Não dava para identificar a espécie, mas ele sabia que não pertencia a nenhuma classe de vegetais conhecidas na região. Possuía folhagem diferenciada. Umas folhas eram grandes e arredondadas; outras, finas e compridas, e outras ainda, pequeninas e agrupadas, lembrando muito as folhas do tamarindeiro.

Era-lhe difícil acreditar naquilo e, em especial, guardar segredo, sobretudo para seu pai, que era minucioso e gostava muito de perscrutar a propriedade.

Para evitar questionamentos, passou a regar a planta em dias alternados e, preferencialmente, à noite, de forma a não levantar suspeitas.

A sorte foi que a tal planta fora semeada num local afastado das demais culturas. A florada aconteceu no final de março de 1882, dez dias após o início da primavera europeia e, em junho, aquele arvoredo já se encontrava carregado de frutos. Macarrões empacotados. Alguns galhos estavam tão sobrecarregados, que se fizera necessário escorá-los, para que não viessem a se quebrar.

Não se sabe como, mas os pacotes eram feitos de um papel sedoso (não existia plástico, naquela época) e traziam o timbre “Talharim Rosentell” (uma referência ao nosso primitivo nome austríaco), como também uma tarja preta em todos os pacotinhos que, por ser desconhecida, não fazia nexo algum.

Na verdade, nada daquilo tinha nexo, mas trazendo o fato para nossos dias, um século depois, em 1980, um tal de Norman Joseph Woodland, americano, conseguiu decifrar essa incógnita, transformando-a no que conhecemos hoje como código de barras.

Dos galhos que tinham folhas grandes e arredondadas brotavam pacotes de duas libras; os de folhas finas e compridas davam pacotes de uma libra, enquanto os de folhas pequeninas e agrupadas, pacotes de meia libra. Como uma libra equivale, aproximadamente, a meio quilograma, é fácil ver essa relação.

Lamentamos que, não existindo televisão na época e não tendo os periódicos daquele tempo a celeridade dos de hoje, esse portentoso e extraordinário acontecimento tenha se perdido no tempo.

A safra foi de seiscentos e trinta e dois pacotes de macarrão talharim orgânico, adubado apenas com esterco de vaca branca. Parte dessa produção foi compartilhada com os vizinhos que, sem saber do fato, admiravam-se com o sabor e a textura da massa. Supunham que era uma receita de minha bisavó, que tinha fama de fazer coisas maravilhosas na cozinha.

Quando meus avós emigraram para o Brasil, ainda trouxeram uma muda que foi plantada em São Raimundo Nonato, sul piauiense que, infelizmente, não vingou, devido ao clima do semiárido nordestino.

São coisas de minha terra.