COBREIRO do Enguiço LINGUÍSTICO

A senhorita ADM à dois ou três meses, (não menos que isto) pertencia ao endereço Alameda das Acácias, S/N; bairro Jardim Rosália, numa cidade divisa à capital Paulistana. A rigor, sendo elas circunvizinhas, o município estava encravado como pertencendo à grande metrópole Paulistana. Contrário de certas pessoas que onde nascem, morrem; expor-se ao novo endereço era coisa que não preocupava nem um pouco a moça e logo-logo estaria familiariazada com seu novo endereço, o qual era referenciado pelo supermercado Grilo. Naquelas bandas, bastava dizer o nome Grilo, que mecanicamente o que vinha à cabeça de qualquer um, era o supermercado.

ADM, ainda dentro do carro que o bom senso induz que ela seria carona, perguntou as pessoas que estavam no ponto, se o cutia passava ali. A interrogada, uma pessoa diligente e prestimosa disse que sim e que inclusive acabara de passar um. Assim que ADM desceu do carro com os livros de Gramática guardando o que a madre dissera para ela que é algo extremamente perfeito e balbuciou as palavras para perguntar para a senhora se demorava muito o próximo, pois estava com os segundos contados, a mulher, se foi. Então o jeito foi perguntar para um senhor que aparentava certa apreensão, o que iria perguntar para a mulher:

- A senhora disse que passou quase agora, o senhor sabe se o próximo demora muito?

- Desculpe-me, do que estás falando?

- Do cutia.

O senhor deu uma refugada, torceu os beiços um no outro, meneou a cabeça e disse: “estou a bem tempo aqui e não vi cutia alguma por aqui...Naquele momento foi à vez de ADM cerrar os cenhos e a testa, dar um recuada e continuar: “Ué, como não? A senhora acabou de dizer que passa”.

- Então, pergunte novamente para ela?

O senhor balançava uma bolsa em forma de pêndulo na frente das pernas, quando tomou tino do que ouvira, falou: “Na realidade estou aqui preocupado, porque preciso arrumar um lugar para ficar, ainda hoje”. ADM ficou sentida e estupefata com a situação dele, pois já eram quase cinco horas da tarde.

Saído debaixo dos escombros e raízes de uma frondosa árvore, comendo pão com algo dentro, caminhou em direção deles um rapaz que aparentava trinta e poucos anos e solícito ofereceu ajuda: “Estou comendo e ouvindo a conversa de vocês e para mim, quando duas pessoas não se acertam é porque estão com fome. Tire um pedaço cada um e coma, que as coisas se acertam. Sanduba de mortandela”.

Tanto ADM quanto o senhor estranharam a atitude do moço, sobretudo porque o que está sendo falado não era sobre fome e comida e claro, numa cidade como aquela, ninguém oferecia nada para ninguém. Porém, fizeram caso do maltrapilho e ambos em uníssono procuraram corrigi-lo: “Não é mortandela que fala e sim, mortadela”. E ratificaram: “Você está comendo sanduiche de mortadela”.

- Mortandela ou mortadela, estou enchendo é o meu pandu; que vazio não me leva à lugar nenhum! – todos sorriram.

O Maltrapilho disse-lhes que poderia solucionar o problema de ambos, porque o cutia passava ali sim; e na rua que ele morava teria uma casa para alugar, o que poderia salvar a noite do senhor. ADM alegrou-se com o que ouviu e voltou-se para ele: “Que ótimo! Mudei faz poucos dias e estou meio perdida. A rua da minha casa é perto do supermercado Grilo”.

- Grilo? Aqui passa o cutia, mas pelo que eu saiba, não vai para nenhum grilo, não.

O senhor que havia dito que ali não passava o cutia, além de dizer que havia um sim que ia para o Grilo, reforçou que o cutia não passava ali. A moça àquelas alturas no meio daquele tiroteio ficou ainda mais aturdida. O Maltrapilho disse: “simples, consulta o seu GPS”. A moça replicou-lhe dizendo que estava com crédito, mas sem sinal. Fora de área.

Ouvido isto, o senhor esbravejou: “claro, onde se viu no meio daquele matão ter sinal para celular e GPS. Lá é lugar de Grilo e cutias. Quem é que usa máquinas, só os animais dos asnos"! ADM arregalou os olhos que pareciam sair da órbita. O maltrapilho não suportou e soltou os cachorros, dizendo que não tinha nada a ver uma coisa com a outra. A moça ouvia e nada entendia, quando o senhor pedindo desculpas, virou para o Maltrapilho e quis saber sobre a casa. O desespero batia.

Alegando que chegou primeiro, ADM tomou-lhe a frente e implorou para o andante que lhe informasse como chegaria à cutia; o senhor interpelou novamente da mesma forma anterior: “aqui não passa cutia e animal nenhum; vocês estão loucos. Se ela vier para cá, morre em milésimos de segundos esmagada pelos pneus dos carros. Larguem mão de ideias tolas, aqui é itinerário do ônibus que vai para a cidade de Cotia”. Incontinenti, quase chorando e pedindo pelo amor de Deus que a explicasse como chegar lá, virou para quem detinha a palavra.

O senhor falou para ela perguntar o mesmo para o Maltrapilho. Assim que virou o corpo, ele acabara de adentrar no ultimo ônibus que ia para a cidade, a qual ela queria chegar. Abriu a janela e gritou: “Estou indo para Alameda das Acácias, S/N; bairro Jardim Rosália. Cotia. Grande São Paulo. Chegando lá, a casa para alugar está pintada com cor branca, sem portas e sem janelas e com três pessoas dentro; corra porque o locador não cobrará aluguel por um ano. Procure-me no boteco de esquina, que estarei lá comendo um miserável de um sanduba de mortandela e tomando uma tubaína. Até!...ah, vou assistir o jogo entre o Atlético e Coritiba; ou é Curitiba”?

- E agora o que faço, culpa do senhor?

- Minha? Você que perguntou se aqui passa o cutia? Se preocupa não, tem sempre um ponto de ônibus pintado de branco desocupado para se passar a noite. Lembrei-me: na Alameda das Acácias, Jardim Rosália tem vários pontos.

- Só lá...que merda!

- Você lembra o que o Maltrapilho falou: qual a grafia correta?

- Nem me lembro mais...o que foi que ele disse?

- Como se grafa: Coritiba ou Curitiba?

- Ambas estão erradas. Nem uma nem outra.

- Então, como se escreve? Fiquei curioso para saber...

- Como vocês são irmãos, são as Putas que os Pariu...agradeço, não quero saber de mais porra nenhuma! – estremecendo tudo com seus passos de gigante, foi saindo.

- Mocinha mal educada...queixo duro! Essa é a geração que o país está entregue: sabe tudo, discute os segredos do universo, todavia desconhece como se cozinha racionalmente um grão de arroz. Eu heimmm!...

Sozinho, benzeu-se, rezando o credo e fazendo o sinal da cruz três vezes. Refugou os dois passos dados a frente e imaginando que a noite estava perdida, ou melhor, que estava perdido na noite; sacou o celular do bolso, falou desvairadamente e por fim, enviou um mensagem para Vô Bento:

- Sua benção Vô! Sei que não é hora; mas por favor, o mandingueiro Vô Bento poderia me benzer com assa peixe?

- Putz, grila...o quê cê aprontó à essa hora pro vô? Meu “Fiim” tem o quê?

- Desculpe-me Vô! Sabe?...é que peguei o Cobreiro do Enguiço Escarafunchado Linguístico. Poderia dar um jeito? O caramanchão tá coçando pra diabo!

- Iih, Fiim; tô tendo uma trabaeira danada...tá todo mundo pegando isso! O Vô dá um jeito sim!...pronto! Vai pela noite em paz e o Vô que acompanhe! Dia sim, dia não; num esqueça de rezá trêis Ave Maria e fazer o sinal da cruz à cada quinze minutos.

- Amém Vô Bento...pode deixar!

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 16/04/2015
Reeditado em 19/04/2015
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