Aprendiz de Diretor
Estava em casa, como de costume, sem fazer nada. Cem espreguiçadas e cinquenta bocejados para um vagabundo em menos de um dia. Detalhei o teto, descobrindo que quem olha para o teto quer
continuar sem fazer nada. Maldita hora que olhei para a parede, pois quem olha para as paredes quer mesmo é trabalho. Iniciei fazendo como todos os diretores fazem: levantam cedo, escovam os dentes, tomam café, colocam a gravata, o terno e o sapato lustrado, botam debaixo do braço o notebook, pegam a condução lotada e somem para o trabalho.
No primeiro dia sai logo cedo para aprender corretamente os conceitos; do início apenas o escarro a mais: estava num difrúcio de lascar. Espirrando igual bode velho. Peguei ônibus e metro lotados. Gastei muitas horas para chegar em qualquer lugar. Motivo de não ter ido para o endereço fixo, como fazem os diretores? Estava aprendendo como se faz para ser diretor. Naquelas alturas era um bem intencionado aprendiz.
Andei léguas e léguas de diversas ruas e avenidas. Bati de porta em porta dos escritórios, empresas, indústrias, construções, feiras, firmas. Depois de muito andar, descobri que havia significado no que ouvia: “Aqui está tudo perfeito, completo, pronto”.
No dia seguinte, cumpri o ritual de levantar cedo. Escovar os dentes, tomar café, o resto já sabem. Escarrei uma bola de catarro tão grande que trouxe junto um pedaço de fígado amarelinho, como gema de ovo caipira. Andei, andei, andei, sempre ouvindo: - Aqui está tudo pronto.
- Aqui está tudo pronto.
Voltei decepcionado e com as pernas bambas. Saí o terceiro dia. A mesma ladainha. Disseram que teria que usar gravata. Disse: “não tenho”.
Ouvi: “Impossível! Aqui o diretor tem que trabalhar a caráter”.
Quarto dia,
Quinto dia,
Sexto.
Sábado.
Domihgo.
.
.
Depois de dois meses. Já sabia de cor a lição de como se deve proceder para ser diretor. Continuei a minha empreitada. Terno, gravata no pescoço e sapatos lustrados nos pés. Bati numa construção de prédios, nem disse nada, afirmaram-perguntado: “A obra está em fase de acabamento. Um mês, se muito. Que número calças?” Respondi: “Se entendi direito, 39”
- Temos botinas número 38.
- Aceito. Não tenho notebook.
- Não precisa, botinas bastam. Está contratado. Por favor, seu curriculum.
- Trouxe minha ficha.
- Ih, não; ficha é coisa do passado!
- Se tivesse curriculum, não estaria aqui; enviaria pelo Catho Empregos.
Voltei desolado e com os pés cheios de calos. Foi até bom, por causa da falta de costume de andar calçado, além dos calos, as botinas iriam sufocar os meus esporões e joanetes. Nem imagino o quanto ia doer. Continuei. Por onde batia, ouvia: “Aqui está tudo pronto”
- Aqui está tudo pronto.
- Aqui está tudo pronto.
Voltei para casa, desta vez desnorteado. Olhei o fogão e lembrei-me que não se consegui trabalho apenas olhando o fogão. Sentei na cadeira em frente ao computador e lá permaneci horas e horas; obviamente, sem fazer nada. Eu e ele. Como de costume: gostando de fazer aquilo que a humidade não gosta de fazer, que é ficar sem fazer nada. Por outro lado, o que fazer quando tudo está pronto? Sou um cara de sorte e único!
Não contente, no dia seguinte, fui à luta novamente. Deve sobrar alguma coisa para mim fazer, impossível! Curriculum debaixo do braço. Retornei à obra onde havia trabalho, não de diretor, mas trabalho. Na portaria do prédio, uma placa com a inscrição: “Agradecemos aos nossos colaboradores. Entregamos a obra um mês antes do prazo; estando, portanto, tudo pronto”.
- Caralho! Tudo pronto! Tudo pronto! Tudo pronto! Deve ser por causa da recessão econômica que o país está passando. Ser diretor aonde se “está tudo pronto”?
Voltei para casa desesperado. Abri o armário vazio. Os sacos de mantimentos quietos. Fechei o armário e fui à despensa. Soltaram um arroto. Ratos filhos de putas vão arrotar na cara de vossas mães! Falei: “tudo pronto”. Ouvi: “Onde foi parar o queijo”. Pelo menos isto. Cambaleante pelos acontecimentos, sentei-me na cadeira em frente o computador. Eu e ele. Frente a frente. Ele nada dizia. Liguei-o. Ao iniciar o looping, travou com a mensagem: “Tudo pronto”.
Realmente, definitivamente o trabalho de modo geral não nasceu para mim. Tentei. Paciência! Como se perdi tempo tentando aprender as coisas; porém, verdadeiro é o aforismo "vivendo e aprendendo"!? Como está “tudo pronto”, não se exercita o que aprende. Voltei a fazer o que estava fazendo, se não lembram, eu lembro: (pronuncie bem, mas bem lentamente) N,A-D,A. (Agora rápido, mais rápido. Isto!) NADA!