*O Lobisomem.

Não gosto de feira livre, mercado ou congêneres. Vou, mas vou na marra, empurrado, à contragosto, pulando que nem piau no anzol e foi assim que um dia cheguei ao Mercado da Vermelha, que funcionava com alguma precariedade na confluência das Rua 13 de Maio com Av. Nações Unidas, em Teresina.

A bomba havia explodido e não era uma bombinha mixuruca qualquer. Como bem diria o doido Avião, foi uma BOMBA TÔNICA, daquelas lá do Japão. Mentira ou verdade o fato era que, tinha um lobisomem apavorando as pessoas que passassem na região do mercado depois da meia-noite. Na época eu era garoto, ainda não tínhamos emissora de televisão em Teresina e às 21:00 horas eu já estava em minha rede. Isso em nada me afetaria, contudo a notícia de um “lubizone” na rua não seria motivo de comemoração.

No semestre passado, no início da Av. Barão de Gurgueia, ali na Baixa do Chicão, já tinha aparecido uma fantasma de capa preta e mãos de garfos assustando as mulheres, gritando: Tá Na Boca...! Isso causou desespero em muita gente que precisava passar por ali.

As conjeturas sobre o tal lobisomem não foram poucas, tornando-se o assunto do momento em todas as rodas. Os que não acreditavam, diziam que isso era armada de mulher safada botando chifre no marido. Por esse tempo estava na moda a expressão “porco chauvinista”, muitos diziam e poucos realmente sabiam do que se tratava. Expressão que muito bem cairia hoje, porque as mulheres são sempre safadas, homem adúltero não, porque ao homem tudo é permitido.

Os que acreditavam, diziam que isso eram sinais de fim dos tempos, que o mundo iria acabar mesmo... Ainda mais essa! Eu no início da vida e o mundo já ia acabar, tudo por culpa de uma mulher chifreira.

Jorge Amado colocava em suas ficções, personagens com nomes verdadeiros de pessoas conhecidas em sua cidade. Eu não sou tonto para fazer isso e acabar ganhando um processo jurídico. Trocá-los-ei.

O lobisomem apareceu de verdade nas semanas seguintes, sempre às sextas-feiras depois da meia-noite. Mas não era um lobisomem e sim uma porca ruiva, enorme, com dentes de javali, pesando cerca de oito arrobas. Um magarefe do mercado conhecido apenas por Zé passou a ser chamado de Zé da Porca, porque segundo ele, havia tomado uma carreira e ganho alguns arranhões.

O fato era que as noites das sextas-feiras, já não se mostravam tão silenciosas entre as bancas de verduras do mercado, se bem que, como era um local aberto, muitos casais se encontravam por lá, suprindo suas necessidades. Numa dessas noites a porca ganhou nome e sobrenome. Tudo porque um dos açougueiros, cabra macho sim senhor, conhecido por Bernardes resolvera pegar a porca a unha, viva, bulindo e acabar de vez com aquela marmota. Numa sexta-feira o cabra sem avisar pra ninguém, sem bazófia e alarde montou campana e esperou, esperou... Esperou e nada, de repente ele notou que estava chegando uma pessoa, ficou mais atento ainda. O vulto serpenteava entre as bancas e coincidentemente ia em sua direção, o que fez com que ele se esquivasse ainda mais, mas sem perdê-lo de foco. Já dava para notar que era uma mulher... Mas uma mulher à aquela hora?

O ambiente não era dos mais iluminados, contudo não dava para se enganar. A mulher parou a uns cinco metros e começou a despir-se lentamente até ficar completamente nua, revirou suas roupas pelo avesso e voltou a vestir-se novamente, primeiro a calcinha, depois o sutiã, em seguida uma saia e finalmente vestido. Todas as peças pelo avesso, depois disso assentou-se ao chão pronunciando palavras ininteligíveis, mas em algum momento ele ouviu quando ela amaldiçoava pai, mãe e irmãos, soltava grunhidos. O açougueiro vendo tudo entre as frestas de uma banca e outra, tendo na mão esquerda uma lanterna e na outra a faca peixeira já desembainhada. Não estava com medo, mas a cena era assustadora, terrivelmente assustadora. De súbito a metamorfose se manifestou enquanto a mulher se retorcia e babava sangue, como se não quisesse que aquilo acontecesse. Posicionara-se com as mãos no solo e em menos de vinte segundos ela estava transformada numa imensa porca ruiva, raivosa. A primeira coisa a aparecer foram as presas inferiores que varavam a mandíbula superior, uma dessas pressas era de ouro reluzente; depois os pés, o pelo e os olhos de fogo como olhos dos felinos. Logo o animal viu o açougueiro e não se sabe como. Partiu pra cima, no reboliço ele deixou a peixeira cair e dai em diante não lhe foi nada fácil, porque o animal tinha uma destreza impressionante, uma força incomum, mesmo dentro de um mercado conseguia trombar o que encontrava pela frente. Nesse pandemônio Bernardes caiu e a porca partiu pra cima, quando se ouviu um tiro de revolver no meio da noite dentro da feira. A porca atingida saiu grunhindo em desespero, espalhando sangue pelo chão, na Avenida Nações Unidas em direção ao Rio Parnaíba.

Pela manhã não se contava o número de bancas reviradas, quebradas ou destruídas. Parecia que durante a noite passara por ali um tornado. A notícia se alastrou pelo bairro e o açougueiro asseverava com todas as letras, paulatinamente que tinha dado um tiro na porca ou lobisomem e que o bicho era virado da Zefa Loira.

Zefa Loira era uma prostituta ali das cercanias, conhecida de todos e com uma longa quilometragem percorrida no ramo que exercia.

No Hospital Getúlio Vargas não se registrou nenhum caso de acidente por arma de fogo naquele dia e na Delegacia de Polícia também ninguém registrou a ocorrência, por falta de embasamento científico. Eu vi aquela mulher um mês depois com um esparadrapo branco cobrindo o olho direito. Todos sabiam do caso, não era mais segredo pra ninguém que Zefa Loira virava bicho. Em seguida ela desapareceu da cidade, como se diria: Abrira um buraco no chão e sumira, Nunca mais foi vista em parte alguma.

Hoje, quando eu olho esse caso com outras lentes, não consigo o mínimo de razoabilidade, não me convenço de que ela tenha sobrevivido a um tiro de revólver calibre 38, dado frontalmente no olho. Mas é fato que ela sumira e que o tal lobisomem nunca mais aparecera na Vermelha, como também para minha felicidade o mundo não acabou.

São coisas de minha terra.