O ponto mais elevado

Dom Antenor Terra Craveiro Lopes montava um cavalo fogoso, com arreios encravados de prata reluzente ao sol, que ofuscava os olhos e causava inveja aos ricos e aos demais estancieiros do Povinho do Boqueirão.

Sentia-se um centauro, dono da arrogância e das muitas terras herdadas do Coronel de Cavalaria Craveiro Lopes. Este, em tempos d’antanho, teve cantadas, em prosa e verso, algumas refregas e peripécias na Guerra do Paraguai.

Agora, o neto do Coronel estava ali para resolver uma questão de terras. Seria uma grande cartada para reaver o pedaço mais cobiçado do mundo: O Cerro Chato.

Se fosse nos tempos do Coronel, essa pendenga se resolveria à bala...

Era um dia claro de azul celeste, então se podia do alto, avistar a metade do mundo. De um lado aguadas, campos e matos; do outro lado, o resto do Continente de São Pedro, na direção das terras dos correntinos, até bem próximo a São Francisco de Borja.

Certo dia, ele estivera bem no topo dos 800 metros e se sentira quase um Deus.

Pensava agora com seus botões: “Com quatrocentos contos o gringo estará muito bem pago!” Era a oferta que fazia pela maior elevação das proximidades.

A proposta estava de pé. Arrogante, ele ostentava sua condição de maior criador de gado de corte. No entanto, estava agora frente a frente com um gringo matreiro como guaraxaim. Ainda assim, para mostrar segurança, caçoava:

- Só este meu cavalo aperado já bastava pra comprar o Cerro, mas meu alazão eu não dou, não troco e nem empresto. Assim sendo, ofereço uma baita quantia: quatrocentos contos de réis e fechamos negócio.

Para sua surpresa, o gringo retrucou firme:

- Com todo respeito à senhora sua mãe, que Deus a tenha, mas somente troco de mano, o Cerro pela sua Fazenda do Craveiro, que era herança dela.

“Mas que gringo insolente! – pensou ele – Onde já se viu! Querer transformar o Craveiro em lavoura!”

Nem a febre aftosa, que não respeitava cercas, o apavorava tanto, quanto admitir que ao morrer, por não ter filhos, a Fazenda do Craveiro seria repartida em mais de quarenta pedaços, com a sobrinhada que tinha.

A terra era dele, só dele, então respondeu furioso:

- Por esta insolência, meu avô lhe deixaria aqui sem bombachas!

- Pois, me desculpe Dom Antenor, mas negócios são negócios.

Mas ele queria reaver o símbolo dos antepassados que constava no brasão da família. O Cerro dos seus sonhos... E o resto era o resto.

“Posso ficar com todo o gado, e o gringo que plante. Quem sabe, a seca ou as geadas acabam com as pretensões dessa gringalhada”.

Estava resolvido a possuir a maior altura da Coxilha Grande e pronto! Então, caminhou pra lá e pra cá e bastante contrariado, acabou concordando. Trocava a imensa Fazenda do Craveiro pelas terras do Cerro Chato.

Logo em seguida, assinaria a papelada. Perderia, na verdade, muitos campos e banhados, mas ganharia as alturas. O Cerro Chato era novamente da família Craveiro Lopes.

No primeiro dia de sol, o prepotente neto do Coronel Craveiro Lopes se pilchou a rigor. Mandou o negro velho encilhar o cavalo e subiu o Cerro.

Lá do alto sentia-se dono do mundo. Enxergava horizontes para todos os lados. Para leste, os seus rebanhos estavam agora em terras arrendadas e para os outros lados ele virou as costas para não ver as extensas lavouras dos gringos.

Sentiu nas barbas o sopro frio do vento norte. Logo estaria vindo o bafo quente da febre que arrasaria quase todo seu gado.

Dom Antenor era da estirpe de estancieiros gaúchos que só admitiam a criação de gado. Ele pensava alto, na sua cegueira:

- Trabalhar no pesado é coisa pra pobre, plantar é pra gringo e rezar e coisa de velha corola.

O negro velho, que fora ordenança do Coronel, enquanto ensebava as botas do patrão, na humildade de seus noventa invernos, falava com seus botões:

É Dom Antenor, viver é coisa pra vivente! Mas, viver com a consciência tranquila não é coisa pros de sua “iguala”. Vai ter que cavoucar a terra e rezar muito...

O fim de Dom Antenor Terra Craveiro Lopes foi o óbvio.

Depois que a febre aftosa dizimou quase todo seu rebanho, ele morreu orgulhoso e impotente, bem no alto do Cerro Chato.

Havia procurado o ponto mais elevado de sua vida aqui na Terra, no lugar errado...

Aquinosul
Enviado por Aquinosul em 03/08/2014
Reeditado em 03/08/2014
Código do texto: T4907653
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