A pedra do passado

Causo verídico, inspirado/lembrado após presenciar uma cena de flagrante e acusações por um pequeno roubo por adolescente.

"A PEDRA DO PASSADO"

Há mais ou menos a 45 anos atrás Mary tinha uns 7 ou 8 anos. Entrando na vendinha de Seu Didi, estava o velho a contar suas moedas e a menina vê atrás da balança, torres de pequenas moedas em cima do balcão.

Mary ainda se lembra daquela antiga balança vermelha que era usada para pesar as mercearias que a vizinhança do lugar ia comprar, na maioria das vezes fiado.

O pai de Mary era um freguês de caderneta, muito honesto. Acertava a divida todo dia 10. Antigamente o dia 10 era sagrado, "dia de pagamento" na firma onde o pai trabalhava. Era o dia mais animado para os pobres, dia de comer um teco de carne de segunda. Sim porque o resto do mês a família dividia um ovo para cada dois filhos. Dia em que o pai chegava do serviço e os pequenos a esperar na esquina, mais felizes que nos outros dias, porque sabiam que o pai estava trazendo alguma coisa diferente para comer.

Mary ao lembrar-se da infância os olhos ficam rasos d'agua, sente saudades do pai, homem honesto era aquele! Nunca fazia dividas que achava que eram de segunda necessidade, como; móveis, roupas, calçados... Sim, porque isso eles ganhavam da patroa da mãe, a primeira necessidade era comer. A única coisa que o pai comprava fiado era comida quando o dinheiro acabava, pois o que sobrava não dava nem até a metade do mês.

Mas, voltamos à vendinha do Seu Didi.

As pilhas atrás da balança vermelha estavam divididas por moedas de 0,10, 0,20, 0,50, e 1 cruzeiro. Aquilo chamou a atenção de Mary.

O pai a havia mandado a vendinha do bondoso Seu Didi para pagar a divida do mês.

Enquanto o velho virou as costas para pegar o troco, Mary muito ligeira pegou exatamente as moedas certinhas no valor de um doce. Mary nunca comprava doce, pois numa família com muitos irmãos não sobrava dinheiro para doce.

Quando Seu Didi veio com o troco Mary pediu um doce e pagou com as moedas que havia tirado das pilhas do velho.

Até hoje Mary se lembra da cena que não se apaga de sua memória e, quando volta ao lugar que cresceu e passa na rua da vendinha, Mary tem vontade de poder pagar aquela divida, é claro que o velho já morreu, afinal ela tem hoje mais de cinquenta anos. As vezes ela pensa em procurar os herdeiros de Seu Didi e devolver a eles o dinheiro no valor de um doce.

O Mestre estava certo. "Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra"

Sempre Aprendiz