CONTOS NORDESTINOS - O CAMINHAO

Assim conta minha mãe, que em sua juventude, costumava lavar a roupa no rio, em companhia de outras moças e mulheres de sua cidade, no interior de Pernambuco.

O evento, bem organizado, visto que tinha data e horário marcado, era uma diversão à parte para aquelas mulheres que se entretiam com as conversas, as prosas e as brincadeiras que aconteciam durante o trajeto para o Rio Pilú, que ficava a duas horas de distância da pequena Lagoa do Ouro, cidade de minha mãe. Portanto, toda quarta-feira, por volta das quatro horas da manhã, as mulheres da cidade acordavam e saíam para as ruas munidas de sabões de côco e trouxas de roupa suja. Algumas dentre elas eram designadas a levar a comida, quase sempre carne sêca, farinha de mandioca e pão, bem como panelas e fogareiros para o preparo do almoço no final da manhã. Íam, assim, passando de casa em casa, chamando umas às outras, até que era formado o grupo de aproximadas vinte mulheres, entre quinze e cinquenta anos de idade, que seguiam falando alto, cantando e rindo pela madrugada a fora, para lavar a roupa no rio.

Caminhando com seus fardos, deixavam a cidade através de uma estrada de terra deserta que passava pelo meio das roças e plantações. Não se via casas nem pessoas pelo longo caminho, porém, aquelas mulheres não reclamavam, seguindo sempre contentes e animadas com o dia que se anunciava.

Muitas vezes, quando tínham sorte, podiam encontrar algum caminhão que estivesse passando de uma cidade a outra e que, invariavelmente, oferecia carona para as moças. Quando isso acontecia, era uma festa! Logo o caminhão despontava no começo da estrada, para a algazarra ter início. As mais jovens arriscavam palpites, cheias de entusiasmo e fogo:

- É o Arlindo!

- Não, não, é o Zeca!

- Que nada! Lá vem o caminhão do Pedrinho!

A brincadeira sempre arrancava risos de todas e proporcionava alegria à felizarda que acertasse o palpite, pois essa tinha o direito de ocupar a boléia do caminhão.

Às margens do Rio Pilú, abriam suas trouxas e lavavam as roupas, cantando e conversando alegremente. Estendiam as roupas pelas pedras, já quando o sol ía alto, banhavam-se nas águas do rio e preparavam o almoço. Ao final da tarde, recolhiam a roupa limpa, refaziam suas trouxas e voltavam pelo mesmo caminho, com a alegria e entusiasmo da manhã. E assim foi por semanas e semanas, toda quarta-feira, e minha mãe, a Bia, como era chamada, crescia obedecendo essa tradição.

Numa determinada madrugada, em que a lua se escondia tímida no céu nordestino, fazendo com que a noite ficasse ainda mais escura, Bia, dona de seus dezesseis anos, se juntou ao alegre grupo de mulheres, seguindo pelo costumeiro caminho que levava ao Rio Pilú.

As moças íam conversando sobre os rapazes da cidade, enquanto as mais velhas, um pouco mais atrás, falavam sobre a vida. Uma das mais jovens, a Carmem, era a mais falante, nessa específica noite.

- Vocês vão ver só! – dizia Carmem. – Hoje, o caminhão do Roberto vai passar...

- Como sabes? – perguntou uma delas.

- Não, não, Carmem! – retrucou uma outra. - Tenho certeza que hoje, veremos o caminhão do Zézinho...

As moças continuavam a brincar, animadas.

Quando íam pela estrada, porém, ouviram o som de motor à distância, ao que todas, em uníssono, gritaram:

- Eba!! – e bateram palmas, alegres.

Todas as mulheres olharam para trás e avistaram, ao longe, os faróis acesos do grande veículo. Carmem, gritou:

- Meninas, num se avexe!! É o Roberto, tenho certeza, e eu vou na boléia...

- Não é, não... – protestaram todas as outras, arriscando outros palpites: - É o Arlindo! É o Zézinho...

Bia, a mais tímida de todas, se limitava a rir das amigas, bem como todas as mulheres mais velhas e casadas.

O caminhão vinha mais próximo e os palpites continuavam:

- É o Jerônimo!

- É o Custódio!

- Eu vou na boléia! – gritava Carmem. – Eu vou na boléia...

As luzes do caminhão cresciam ao se aproximar, ofuscando tudo ao redor, e o som do motor preenchia o ar da noite... Ele vinha se chegando, se chegando, e as mulheres continuavam gritando, eufóricas... Conforme foi-se aproximando, o grupo de mulheres se abriu em dois, dando espaço para que o caminhão passasse e parasse no meio delas. Cada grupo de mulheres, postados em cada margem da estrada, gritava agora:

- Eu vou na boléia! Eu vou na boléia!

Os faróis pareciam, agora, dois sóis gigantescos, se aproximando, velozes, e o ronco do motor ribombava, como um trovão. As luzes dos faróis foram crescendo e, apesar de ele estar bem próximo, não parecia diminuir a velocidade. As mulheres continuavam gritando e rindo, animadas. Os faróis se aproximavam, se aproximavam, e o caminhão parecia acelerar ainda mais, até que passou rápido, levantando vento e poeira que assanhou os vestidos e os cabelos daquelas mulheres e, para surpresa de todas... sumiu diante delas!

Ficaram ali, aquelas mulheres, uma metade de um lado da estrada, a outra metade, do outro lado, um resto de vento que se acalmava, a poeira que baixava, a estrada atrás, deserta, a estrada à frente, igualmente deserta, o mato, as poucas estrelas e o nada!

Um arrepio de medo subiu pelos corpos daquelas mulheres... Não ousaram falar uma palavra, olhos arregalados, talvez ainda procurando ver o caminhão que sumira, desaparecera misteriosamente no meio da noite. Um segundo se passou... um segundo de terror e medo, e Carmem tomou a palavra:

- Vamos lá, meninas!! Temos muito que andar, temos roupa pra lavar, não podemos ficar aqui paradas! – dizendo isso, Carmem saiu puxando as mulheres que estavam brancas como papel, assustadas. – Vamos minha gente! Vamos andando, não podemos parar!

As mais jovens procuraram se agarrar ao braço de Carmem, ao que ela retrucou, brava:

- Não precisa se agarrar em mim, não! Vamos andando, vamos andando! Não aconteceu nada...

Continuaram o caminho rumo ao Rio Pilú e dessa vez não se teve risadas e cantorias, apenas se ouvia os passos rápidos que arrastavam a poeira da estrada. Carmem, após um longo tempo, ainda se atreveu a cantar, cuja voz soou solitária por entre as roças e plantações. Não tocaram no assunto pelo resto do dia, cumpriram com as tarefas que tinham que cumprir e voltaram pra casa ao final da tarde, sem a alegria costumeira. Aquelas mulheres nunca mais falaram sobre o assunto, mas também nunca mais esqueceram aquele caminhão que veio, se aproximou veloz e sumiu diante de seus olhos espantados.

Bia, uma das mais assustadas, cresceu para me contar esta história e é ela minha mãe!