CAROÇO DE JERIVÁ

A minha infância e adolescência passei numa chácara na cidade de Jaboticabal, no interior de São Paulo, onde fui criado, juntamente com minha família. Ali aportamos em 1949, quando eu tinha 03 anos de idade, e nos mudamos no ano de 1964, quando eu já contava com 18 anos.

Assim, ali eu vivi boa parte da minha vida. Era uma chácara muito grande e estava abandonada quando para lá mudamos. Ela pertencia a herdeiros que residiam em Pederneiras, também no interior de São Paulo. Foi oferecida para nós morarmos e tomarmos conta. Não ganhávamos nada para isso, mas também não pagávamos aluguel. Era uma espécie de compensação. Moramos por longos 15 anos, até que conseguimos comprar um terreno e fazermos a nossa própria casinha.

Voltando a falar da chácara, ela ficava localizada na Rua 5, nº 8, do Bairro da Aparecida. Hoje essa rua tem outro nome, chama-se Rua José Pizoni, e daquela chácara não sobrou nada daquilo que embalou minha infância. Quando para lá minha família mudou-se, haviam 52 pés de jabuticaba Sabará, é a mais deliciosa que existe. Com a venda das frutas, que ocorria entre os meses de outubro e novembro, com o dinheiro apurado, minha mãe comprava roupa e sapatos para nós, e que deveria durar pelo ano todo. Tinha muitos pés de manga, de varias espécies, “manga Bourbon”, “manga coração de boi”, que acredito tenha sido a partir dela, por cruzamento e enxertia, que se criou a manga Áden, uma manga muito gostosa que nós chamávamos de “manga rosa”, tinha a “manga coco”, que era uma manga que não tinha fiapos. Tinha uma espécie de manga, muito grande, cada manga chegava a pesar até dois quilos, e por não saber que espécie era, a chamávamos de “manga abóbora”, não era muito gostosa, mas era bastante vistosa, e tinha uma outra chamada de “manga bico”, pois na sua parte inferior, formava um bico parecido com uma teta de menina. Os compradores de frutas levavam tudo para São Paulo, onde eram vendidas nos mercados. Também tinham várias laranjeiras, sendo pés laranja pera e laranja seleta. Alguns pés de tangerina e mexericas. Alguns pés de abacates manteiga. E num canto da chácara tinha um pé de “jerivá”, que é uma espécie de coquinho, muito gostoso e muito apreciado pelos periquitos, papagaios e maritacas. O jerivá é um coco do tamanho de uma bola de gude e á em forma de cachos. Quando amadurece, fica todo amarelinho. É muito gostoso de comer, porém é preciso muito cuidado para não se engasgar com o caroço.

Eu tinha meus avós paternos que moravam em uma fazenda distante uns 20 quilômetros de Jaboticabal, assim como uns tios e tias irmãos do meu pai, que moravam na mesma fazenda. Dentre esses tios tinha o tio Sebastião, que era casado com a tia Maria. Eles tinham dois filhos, o Valdir, que era da minha idade e o Expedito um pouco mais novo.

Aos domingos, eles vinham da fazenda pra cidade pra fazer as compras nas “Vendas”, que eram uns armazéns de secos e molhados, para se abastecerem dos produtos que não tinham na fazenda, onde trabalhavam. Lá eles criavam galinhas, engordavam porcos, mas faltavam outros produtos, como querosene para as lamparinas, pois não havia energia elétrica. E nessas vindas para a cidade, a chácara onde morávamos era uma espécie de estacionamento, onde eles deixavam as carroças e os animais, bem como aproveitavam para almoçar conosco e conversar um bocado sobre a vida passada e as perspectivas para o futuro, que não eram muitas.

Numa dessas vezes, eu, o Valdir, e outros meninos, estávamos brincando próximo ao coqueiro, pé de jerivá. E como tinha bastante coquinho caído no chão, começamos a comer coquinho. Fazíamos até aposta pra ver quem comia mais. E num dado momento, o Valdir engasgou-se com um caroço do coquinho, não conseguia respirar e já estava ficando roxo, quando veio correndo meu pai e deu umas pancadas nas costas do meu primo e ele expeliu o caroço que o estava sufocando. Foi uma correria danada. Foi dado água com açúcar pra ele beber. Quando alguém levava um susto, ou qualquer outro contra tempo, a primeira coisa que se fazia era dar água com açúcar, era um santo remédio. Bem, esse episódio passou sem maiores consequências.

Passado um tempo, novamente estávamos todos reunidos na chácara e, lá pelas tantas, fomos brincar perto do coqueiro. E, como não podia deixar de ser, novamente a comer coquinho. Estávamos todos tranquilos, quando, de repente, ouvimos a tia Maria gritar toda desesperada: “Vardi, meu fio, num come coco que ocê fica preto, minino!!!”, mas a lição valeu e nunca mais o Valdir se engasgou com o caroço do jerivá.

Ilha Solteira/SP

13/07/2013 – 18:12h

Daniel L Oliveira
Enviado por Daniel L Oliveira em 15/07/2013
Código do texto: T4387890
Classificação de conteúdo: seguro