PINGA COM COURO DE CASCAVEL

Este fato que passo a narrar, é um fato verídico que aconteceu com a minha família na década de 60.

Nós morávamos na cidade de Jaboticabal, no interior de São Paulo. Nossa família, na época, era composta por nossos pais, Antonio e Brigida, de saudosas memórias, e meus irmãos. Gilberto, o mais velho, depois vinha o Joel, depois eu, Daniel, e a caçula Léia. Éramos uma família bastante pobre, humilde, porém honrada. Todos nós começamos a trabalhar em tenra idade. Naquela época não havia restrição quanto a idade do menor para começar a trabalhar e, assim, nossos pais adotavam o ditado que dizia: “Trabalho de criança é pouco, mas quem perde é louco.”, e tanto eu como meus irmãos começamos a trabalhar desde os dez anos de idade. Tudo quanto ganhávamos entregávamos para nossa mãe que era quem controlava os ganhos e as despesas do lar. Assim, onde havia a possibilidade de se ganhar alguns trocados, lá íamos nós, campinar quintais dos vizinhos, trabalhar como bóia-fria nas lavouras das fazendas e assim por diante.

Precisávamos trabalhar desde pequenos porque nosso pai, era um homem muito doente, sofria de reumatismo infeccioso que quando lhe atacava, ficava com o corpo todo entrevado, além das dores que sentia. Na época a medicina não estava tão avançada como hoje, e assim, os médicos lhe ministravam fortes doses de corticoides, que tinham efeito imediato, mas, por conta dos efeitos colaterais meu pai veio a sofrer de cardiopatias que lhe ceifou a vida prematuramente aos 53 anos de idade.

Naquela época, meu pai se consultou com um médico clínico geral, que era muito conceituado, vou declinar de citar seu nome, por motivos óbvios. Acontece que esse médico gostava de tomar seus aperitivos, como uma pinguinha com semente de sucupira, que dá um gosto amargo na cachaça. Dizem que o óleo da sucupira é um anti-inflamatório natural, e consta do receituário de remédios naturais. Hoje é fácil de se encontrar nas farmácias que vendem remédios homeopáticos, o óleo de sucupira pronto para ser usado. Uma das aplicações da sucupira é macerar 7 sementes e por para curtir em um vidro de vinho e tomar como remédio todos os dias. Server para combater inflamação de garganta.

Muito bem, como meu pai sofria muito com as dores de reumatismo, lhe foi dada uma receita para fazer uma garrafada, que era assim que denominavam os remédios caseiros feitos com ervas medicinais e outras.

Acontece que a receita para reumatismo que foi passada para meu pai era meio exótica. Tratava de botar para curtir em um litro de pinga, durante um mês, couro de cobra cascavel. (Coitadas das cobras). Mas tinha um modo especial de preparar o remédio. Tinha que torrar o couro da cobra em uma chapa quente. Isso era fácil, pois, naquela época, quase todas as casas tinham fogão de lenha. E na chácara onde morávamos não era diferente. Depois de bem torrado, o couro tinha que ser triturado, o que se fazia utilizando uma garrafa de vidro (tinha tudo a ver com as garrafadas, desde o preparo). Depois do couro triturado, em forma de pó, colocava-se 7 colheres de chá, em um litro de pinga, das boas, e deixava curtir durante um mês. Depois era para se tomar um cálice, todo dia, antes das refeições.

Meu pai de posse dessa receita, foi consultar seu médico, que como bom apreciador de aperitivos, disse ao meu pai: “Olha, Sr. Antonio! Se não fizer bem, mal também não faz!”. Meu pai, diante desse incentivo, foi atrás de preparar o “bendito remédio” que iria aliviar suas dores.

Primeiro passo: Conseguir o couro da cobra. Nós morávamos em uma chácara e, de vez em quando, aparecia por lá uma cobra, às vezes uma coral, outras vezes uma urutu cruzeiro (ela é chamada de urutu cruzeiro, porque tem o formato de uma cruz na testa), às vezes uma gibóia, mas cascavel era meio difícil. Assim, meu pai se socorreu de uns amigos e conseguiu o couro da cascavel.

Aqui vai uma curiosidade: A cascavel é uma cobra que tem um “guiso” na ponta do rabo. Ele é formado de anéis e, quando ela esta nervosa e se preparando para dar um bote, ela chacoalha a ponta do rabo e o “guiso” faz um barulho anunciando o ataque. As pessoas diziam que cada anel do guiso significava a idade da cobra. Assim, se no guiso tivesse 5 anéis ela teria cinco anos de idade. Mas na verdade, cada anel do guiso da cascavel, significa as trocas de pele que ela faz durante sua vida. Se as trocas de pele ocorrer uma vez por ano, então a afirmação até poderia ser verdadeira, mas não sei se procede.

Segundo passo: Preparação da garrafada. Meu pai, com a ajuda da minha mãe, torrou o couro da cascavel até que ele ficou bem seco, pronto para ser moído. A seguir, com a utilização de uma garrafa de cerveja, vazia, é claro, moeu aquele couro até ficar parecendo pó de café.

Terceiro passo: Colocou sete colheres de chá do pó do couro da cascavel dentro de um litro de pinga boa de engenho.

Quarto passo: Colocou atrás da porta de um quarto, ao abrigo da luz, e deixou para curtir durante um mês.

Com o que meu pai não contava, era que meu irmão Joel gostava de tomar um aperitivo para almoçar, e acabou descobrindo onde estava escondida a garrafada, e mesmo antes da pinga ter sido curtida com o couro da cascavel, começou a tomar a danada como aperitivo e não como remédio que era a intenção do meu pai.

Em resumo, quando meu pai, depois dos trinta dias de curtida, foi verificar a garrafada, o litro estava seco. Meu irmão Joel havia tomado toda a pinga com couro de cascavel.

Meu pai ficou sem saber se o tal remédio teria sido bom ou não, porque desistiu de fazer outra garrafada.

Por outro lado, meu irmão Joel veio a falecer por conta de um acidente de trânsito, aos 50 anos de idade, em 1991, e nunca sofreu de reumatismo.

Daniel L Oliveira

Ilha Solteira/SP

138/07/2013 – 12:53

Daniel L Oliveira
Enviado por Daniel L Oliveira em 14/07/2013
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