O PASTOR E O PADRE
Conta-se que em um povoado incrustado no sertão semi-árido do nordeste brasileiro havia um criador de cabras e ovelhas muito bom e generoso para com todos. Dividia tudo o que tinha e produzia com os habitantes do local e da região. Esse cidadão era religioso por influência dos seus antepassados de origem européia e cristã. Ninguém sabia como e quando ele ali chegara. Também não questionavam isso.
Durante o dia ele trabalhava no campo cuidando dos seus caprinos e pastoreando suas ovelhas. E a noite, principalmente nos finais de semanas e feriados reunia num galpão construído nas suas terras, o máximo de pessoas que podia, com o objetivo de orientá-los e os pastorear, não os deixando desgarrar-se enveredando para os caminhos tortuosos e do mal.
Falava da abnegação das mães para com os seus filhos e maridos; da necessidade de se doar ajudando os mais fracos e carentes; do amor e da compreensão de Jesus para com todos os povos da Terra; do respeito que todos devem ter a Deus e ao próximo; do amor que devemos dedicar às criancinhas que certamente serão adultos amanhã. Falava também da nossa aprendizagem a qualquer tempo, independentemente da idade, etc.
Porém esse pastor nato era o que chamamos de solteirão. Por isso muitos, principalmente os mais jovens, não aceitavam os seus sermões. Afirmavam que aquele cidadão nada entendia de família, de pais e de filhos. Pois só aquele que é pai, que trabalha pela esposa e filhos, que é a cabeça do casal é o esteio no qual os dependentes podem confiar.
Mesmo com todas as controversas ele mantinha-se firme nos seus propósitos. Calmo e delicadamente aceitava as oposições. Sempre procurava amenizar qualquer discussão negativa nesse sentido, explicando que Jesus também era solteiro e nem por isso isentou-se de nos legar os ensinamentos de Deus.
E mais, que se nesta existência mantinha-se solteiro, mas que provavelmente em centenas de outras encarnações anteriores teria sido casado e pai de família. Portanto a sua experiência não advinha apenas desta vida.
Naquele rincão quase isolado da civilização o povo mantinha-se atento a tudo o que acontecia e a vida transcorria naturalmente. A pequena paróquia local vez ou outra, em datas festivas e comemorativas recebia a visita de um padre ou de um frade para rezar uma missa especial, após o que ficava inativa novamente. Os sacerdotes das cidades grandes e importantes não se dispunham a morar num povoado isolado do mundo e desprovido de quase tudo.
Assim aquele galpão estava sempre cheio e cada vez mais. Vinha gente de todos os sítios da redondeza assistir e ouvir as palestras, sobre tudo as de domingos ou feriados.
Ali não existia prefeitura, por isso não tinha prefeito e nem edis. O tabelião do cartório de registro civil fazia também às vezes de juiz de paz e atuava como o conselheiro para assuntos jurídicos, transmitindo tudo ao corregedor da comarca que estava a uns trezentos quilômetros de distância. Isto feito voltava e transmitia aos moradores as orientações e decisões mais recentes e importantes para a sociedade.
Certo dia chegou ao povoado um homem que se dizia indicado como o novo reverendo daquele povoado e que ali pretendia residir daquele momento em diante. Procurou o conselheiro mostrando os documentos comprobatórios e este o encaminhou até os aposentos localizados nos fundos da capela. Instalou-se providenciando alguns reparos, organizou toda sua bagagem e foi até o altar fazer a sua primeira oração, agradecendo a simpática acolhida dos moradores que estavam presentes e o recepcionaram.
Em poucas horas a notícia da chegada do padre se espalhou. E claro, todos os que podiam vinham correndo conhecer essa personalidade. E como não poderia deixar de ser logo contaram ao reverendo que naquele lugar um pastor promovia palestras religiosas e espirituais aos moradores sem escolher às quais religiões pertenciam. Que as reuniões e cultos eram ecumênicos. Curioso o sacerdote resolveu assistir uma dessas palestras no sábado, antes mesmo de rezar a sua primeira missa, a qual marcou para o domingo às oito horas da manhã. Desta forma ficaria sabendo quem era e como era esse pastor e aproveitaria para conhecer os moradores daquele povoado. Assim o fez.
Naquela memorável noite de sábado o galpão estava lotado. Os dirigentes e ajudantes voluntários abriram todas as portas de tal forma que aqueles que não coubessem dentro pudessem assistir à palestra do lado de fora. O novo padre da paróquia veio conhecer o local bem de perto e se acomodou logo na primeira fila, num banco da frente para um altar improvisado. Chegado o momento anunciado o pastor aproximou-se, cumprimentou cordialmente todos e para surpresa geral dirigiu-se ao reverendo falando com ar de alegria:
- Olá meu querido amigo Padre Antônio, boa noite. Que alegria que o senhor veio. Faz mais de vinte anos que eu rogo aos bispos da nossa Diocese para mandar um padre em caráter definitivo para essa comunidade tão carente. Não tinha a mínima idéia de quem viria. Mas agora o vendo aqui, o senhor que foi meu companheiro na ordenança sacerdotal, me deixa muito feliz. Obrigado. Graças a Deus agora temos um padre para cuidar da nossa igreja e do nosso povo.
Aquela declaração colheu de surpresa e de susto todos os presentes. Principalmente pelo cumprimento e resposta do novo padre ao pastor.
- Padre Paulo eu é quem agradeço a Deus o privilégio de ter sido indicado para vir ser o seu auxiliar. Morar aqui e trabalhar com o senhor é um presente de Deus. Jamais imaginei que o encontraria aqui, tão distante da capital onde estudamos. Pensei até que o amigo tinha desistido do sacerdócio.
Ambos se aproximaram e se abraçaram como velhos e grandes amigos que eram e que agora se reencontraram.
Aquela gente trabalhadora e esperançosa se entreolhou curiosa, mas ao mesmo tempo feliz.
Primeiro por descobrir a verdadeira identidade e profissão daquele velho solteirão que se passava por pastor e cuidava de animais no campo e ao mesmo tempo ajudava todos com dedicação e carinho, fornecendo alimento gratuito a tanta gente e até ajudando alguns financeiramente.
E também por saber que aquele homem que lhes ministravam palestras educativas era nada mais nada menos do que um padre e bem conceituado no seu clero. Tanto assim que já tinha ultrapassado os postos já era um bispo, faltando tão somente assumir perante as autoridades da igreja. Segundo porque daquele dia em diante teriam um padre fixo e em caráter definitivo para lhes orientar espiritualmente.
Só uma coisa entristeceu todos os presentes. O pastor anunciou que logo se mudaria dali para atender outro local carente e que precisava da sua ajuda e ele que já era frade e tinha sido ordenado bispo precisava ir para a Diocese assumir o seu novo posto, bem como dar continuidade a sua missão, à qual não podia se negar.
No entanto diante de tantas surpresas estavam contentes porque com aquelas terras producentes que o ex-pastor deixaria por conta e responsabilidade do padre Antonio certamente todo trabalho e produção continuariam e nada iria lhes faltar.
Após a reunião, palestra e apresentações o pessoal resolveu improvisar uma festa com direito a churrasco, cantos e dança. Em menos de uma hora, com a colaboração geral aquele galpão transformou-se. As mulheres se entregaram às comidas e os homens a arrumar mesas e cadeiras, limpeza do ambiente e trouxeram os alimentos necessários e as bebidas.
O Bispo Paulo como passou a ser chamado orientou todos no sentido de não trazerem bebidas alcoólicas para quem ninguém se embriagasse naquele dia festivo, no que foi prontamente atendido.
Já passava da meia noite quando o ultimo conviva se retirou. Padre Paulo convidou o seu amigo Padre Antonio para dormir ali mesmo no barracão. Assim teriam mais tempo para conversar antes da missa de domingo que seria às oito horas da manhã.
Naquele sítio a vida e os afazeres do dia-a-dia começavam bem antes do dia amanhecer. Isso todos os dias da semana, do mês e do ano. E o nosso Padre que era pastor mal pregou os olhos levantou-se para deixar tudo arrumado mais cedo, pois aquele dia além dos compromissos habituais tinha que preparar o café pro seu visitante, bem como se arrumar para ir assistir a missa, coisa que há mais de trinta anos não fazia.
O Padre Antonio inaugurou a sua nova igreja diante de muita gente. Depois da missa todos o referenciaram. O seu amigo Padre Paulo voltou a dar-lhe um abraço afetuoso, agradecendo o bom desempenho inicial, desejando-lhe muita sorte naquele cantinho do mundo onde já havido deixado o seu nome.
Voltaram ambos para o sítio onde iriam almoçar. Na varanda, enquanto aguardavam os empregados da casa chama-los para comer, retornaram ao bate-papo sobre a vida sacerdotal de cada um, quando Padre Antônio perguntou sem rodeios:
- Caro Padre Paulo, por que você não se vestia como padre e nem fazia a missa na capela? E por que os outros padres, frades e bispos que aqui passaram por todos esses anos nunca o reconheceram e nem falaram nada sobre você?
Mais uma vez aquele homem trabalhador, modesto e finamente educado serenamente respondeu:
- Por que antes de entrar para a faculdade de teologia eu era bacharel em direito, investigador e Delegado de Polícia. Quando concluímos a faculdade de teologia e fomos ordenados fui designado para uma igreja no extremo oeste do país. Entretanto disseram-me que três padres que aqui vieram se envolveram em conflitos de terras e foram assassinados. Porém como não tinham provas concretas os casos foram encerrados sem poder fazer nada contra os culpados.
- Me interessei em vir pra cá para desvendar esses crimes. Para não chamar a atenção de ninguém pedi aos meus superiores autorização para agir como um cidadão comum, modesto e com o dom da palavra como pastor. Desta forma quando cheguei comprei essa terra onde está o sítio. Comecei a criação de caprinos e ovinos e passei a fazer as missas aqui mesmo, deixando a capela só para eventos especiais.
- Com isso em poucos anos, sem alarde e sem prejuízo fui colhendo as provas e mandando discretamente para os promotores e delegados da capital, bem como para os meus superiores da Diocese, de tal forma que com os relatórios bem elaborados todos os oito assassinos foram presos num prazo de oito anos, sem nada desconfiar da minha atuação.
- Depois de tudo me apeguei a este lugar e às pessoas. Sertanejos simples e de bons corações. Com os culpados presos e condenados eu até podia reinalgurar a capela e lá fazer as missas dominicais. Mas observando que toda comunidade gostava das minhas palestras aqui onde podiam vir sem luxo ou ostentação nos vestuários, mantive o meu galpão para essa finalidade.
- Por isso até hoje a minha identidade foi mantida em segredo pela Diocese e pelas autoridades. Felizmente agora posso ir terminar a minha missão de sacerdote ou de bispo em qualquer outro lugar. Principalmente porque tenho um substituto à altura, que poderá trabalhar sem riscos.
Após ouvir o relato do amigo, Padre Antonio com os olhos encharcado de lágrimas e voz rouca e embargado falou:
- Pois é caro pastor, você na faculdade era o meu amigo e companheiro em tantos momentos bons ou ruins. Eu sempre via em você algo muito especial que não conseguia decifrar ou entender. Mas neste exato momento vislumbrei algumas linhas entrelaçadas pelo Pai Criador.
- Doravante quero curtir essa nossa amizade como o seu fã. Você é o meu herói. Você salvou vidas importantes de entes muito queridos vítima desses mesmos assassinos. Um dos assassinados, o Padre João era meu tio. Morreu defendendo os seus fiéis.
- Para que você possa entender o meado da minha vinda pra cá e desse nosso encontro, eu também solicitei aos meus superiores. Fiquei sabendo do desfecho os processos criminais e da prisão dos criminosos, por isso pedi para continuar o que o meu tio começou há trinta anos atrás.
- Senhor Pastor, chamou a empregada. O almoço já está na mesa. Venham para que a comida não esfrie.
O pastor e o padre sorriram e foram almoçar tranquilos.
Durante o dia ele trabalhava no campo cuidando dos seus caprinos e pastoreando suas ovelhas. E a noite, principalmente nos finais de semanas e feriados reunia num galpão construído nas suas terras, o máximo de pessoas que podia, com o objetivo de orientá-los e os pastorear, não os deixando desgarrar-se enveredando para os caminhos tortuosos e do mal.
Falava da abnegação das mães para com os seus filhos e maridos; da necessidade de se doar ajudando os mais fracos e carentes; do amor e da compreensão de Jesus para com todos os povos da Terra; do respeito que todos devem ter a Deus e ao próximo; do amor que devemos dedicar às criancinhas que certamente serão adultos amanhã. Falava também da nossa aprendizagem a qualquer tempo, independentemente da idade, etc.
Porém esse pastor nato era o que chamamos de solteirão. Por isso muitos, principalmente os mais jovens, não aceitavam os seus sermões. Afirmavam que aquele cidadão nada entendia de família, de pais e de filhos. Pois só aquele que é pai, que trabalha pela esposa e filhos, que é a cabeça do casal é o esteio no qual os dependentes podem confiar.
Mesmo com todas as controversas ele mantinha-se firme nos seus propósitos. Calmo e delicadamente aceitava as oposições. Sempre procurava amenizar qualquer discussão negativa nesse sentido, explicando que Jesus também era solteiro e nem por isso isentou-se de nos legar os ensinamentos de Deus.
E mais, que se nesta existência mantinha-se solteiro, mas que provavelmente em centenas de outras encarnações anteriores teria sido casado e pai de família. Portanto a sua experiência não advinha apenas desta vida.
Naquele rincão quase isolado da civilização o povo mantinha-se atento a tudo o que acontecia e a vida transcorria naturalmente. A pequena paróquia local vez ou outra, em datas festivas e comemorativas recebia a visita de um padre ou de um frade para rezar uma missa especial, após o que ficava inativa novamente. Os sacerdotes das cidades grandes e importantes não se dispunham a morar num povoado isolado do mundo e desprovido de quase tudo.
Assim aquele galpão estava sempre cheio e cada vez mais. Vinha gente de todos os sítios da redondeza assistir e ouvir as palestras, sobre tudo as de domingos ou feriados.
Ali não existia prefeitura, por isso não tinha prefeito e nem edis. O tabelião do cartório de registro civil fazia também às vezes de juiz de paz e atuava como o conselheiro para assuntos jurídicos, transmitindo tudo ao corregedor da comarca que estava a uns trezentos quilômetros de distância. Isto feito voltava e transmitia aos moradores as orientações e decisões mais recentes e importantes para a sociedade.
Certo dia chegou ao povoado um homem que se dizia indicado como o novo reverendo daquele povoado e que ali pretendia residir daquele momento em diante. Procurou o conselheiro mostrando os documentos comprobatórios e este o encaminhou até os aposentos localizados nos fundos da capela. Instalou-se providenciando alguns reparos, organizou toda sua bagagem e foi até o altar fazer a sua primeira oração, agradecendo a simpática acolhida dos moradores que estavam presentes e o recepcionaram.
Em poucas horas a notícia da chegada do padre se espalhou. E claro, todos os que podiam vinham correndo conhecer essa personalidade. E como não poderia deixar de ser logo contaram ao reverendo que naquele lugar um pastor promovia palestras religiosas e espirituais aos moradores sem escolher às quais religiões pertenciam. Que as reuniões e cultos eram ecumênicos. Curioso o sacerdote resolveu assistir uma dessas palestras no sábado, antes mesmo de rezar a sua primeira missa, a qual marcou para o domingo às oito horas da manhã. Desta forma ficaria sabendo quem era e como era esse pastor e aproveitaria para conhecer os moradores daquele povoado. Assim o fez.
Naquela memorável noite de sábado o galpão estava lotado. Os dirigentes e ajudantes voluntários abriram todas as portas de tal forma que aqueles que não coubessem dentro pudessem assistir à palestra do lado de fora. O novo padre da paróquia veio conhecer o local bem de perto e se acomodou logo na primeira fila, num banco da frente para um altar improvisado. Chegado o momento anunciado o pastor aproximou-se, cumprimentou cordialmente todos e para surpresa geral dirigiu-se ao reverendo falando com ar de alegria:
- Olá meu querido amigo Padre Antônio, boa noite. Que alegria que o senhor veio. Faz mais de vinte anos que eu rogo aos bispos da nossa Diocese para mandar um padre em caráter definitivo para essa comunidade tão carente. Não tinha a mínima idéia de quem viria. Mas agora o vendo aqui, o senhor que foi meu companheiro na ordenança sacerdotal, me deixa muito feliz. Obrigado. Graças a Deus agora temos um padre para cuidar da nossa igreja e do nosso povo.
Aquela declaração colheu de surpresa e de susto todos os presentes. Principalmente pelo cumprimento e resposta do novo padre ao pastor.
- Padre Paulo eu é quem agradeço a Deus o privilégio de ter sido indicado para vir ser o seu auxiliar. Morar aqui e trabalhar com o senhor é um presente de Deus. Jamais imaginei que o encontraria aqui, tão distante da capital onde estudamos. Pensei até que o amigo tinha desistido do sacerdócio.
Ambos se aproximaram e se abraçaram como velhos e grandes amigos que eram e que agora se reencontraram.
Aquela gente trabalhadora e esperançosa se entreolhou curiosa, mas ao mesmo tempo feliz.
Primeiro por descobrir a verdadeira identidade e profissão daquele velho solteirão que se passava por pastor e cuidava de animais no campo e ao mesmo tempo ajudava todos com dedicação e carinho, fornecendo alimento gratuito a tanta gente e até ajudando alguns financeiramente.
E também por saber que aquele homem que lhes ministravam palestras educativas era nada mais nada menos do que um padre e bem conceituado no seu clero. Tanto assim que já tinha ultrapassado os postos já era um bispo, faltando tão somente assumir perante as autoridades da igreja. Segundo porque daquele dia em diante teriam um padre fixo e em caráter definitivo para lhes orientar espiritualmente.
Só uma coisa entristeceu todos os presentes. O pastor anunciou que logo se mudaria dali para atender outro local carente e que precisava da sua ajuda e ele que já era frade e tinha sido ordenado bispo precisava ir para a Diocese assumir o seu novo posto, bem como dar continuidade a sua missão, à qual não podia se negar.
No entanto diante de tantas surpresas estavam contentes porque com aquelas terras producentes que o ex-pastor deixaria por conta e responsabilidade do padre Antonio certamente todo trabalho e produção continuariam e nada iria lhes faltar.
Após a reunião, palestra e apresentações o pessoal resolveu improvisar uma festa com direito a churrasco, cantos e dança. Em menos de uma hora, com a colaboração geral aquele galpão transformou-se. As mulheres se entregaram às comidas e os homens a arrumar mesas e cadeiras, limpeza do ambiente e trouxeram os alimentos necessários e as bebidas.
O Bispo Paulo como passou a ser chamado orientou todos no sentido de não trazerem bebidas alcoólicas para quem ninguém se embriagasse naquele dia festivo, no que foi prontamente atendido.
Já passava da meia noite quando o ultimo conviva se retirou. Padre Paulo convidou o seu amigo Padre Antonio para dormir ali mesmo no barracão. Assim teriam mais tempo para conversar antes da missa de domingo que seria às oito horas da manhã.
Naquele sítio a vida e os afazeres do dia-a-dia começavam bem antes do dia amanhecer. Isso todos os dias da semana, do mês e do ano. E o nosso Padre que era pastor mal pregou os olhos levantou-se para deixar tudo arrumado mais cedo, pois aquele dia além dos compromissos habituais tinha que preparar o café pro seu visitante, bem como se arrumar para ir assistir a missa, coisa que há mais de trinta anos não fazia.
O Padre Antonio inaugurou a sua nova igreja diante de muita gente. Depois da missa todos o referenciaram. O seu amigo Padre Paulo voltou a dar-lhe um abraço afetuoso, agradecendo o bom desempenho inicial, desejando-lhe muita sorte naquele cantinho do mundo onde já havido deixado o seu nome.
Voltaram ambos para o sítio onde iriam almoçar. Na varanda, enquanto aguardavam os empregados da casa chama-los para comer, retornaram ao bate-papo sobre a vida sacerdotal de cada um, quando Padre Antônio perguntou sem rodeios:
- Caro Padre Paulo, por que você não se vestia como padre e nem fazia a missa na capela? E por que os outros padres, frades e bispos que aqui passaram por todos esses anos nunca o reconheceram e nem falaram nada sobre você?
Mais uma vez aquele homem trabalhador, modesto e finamente educado serenamente respondeu:
- Por que antes de entrar para a faculdade de teologia eu era bacharel em direito, investigador e Delegado de Polícia. Quando concluímos a faculdade de teologia e fomos ordenados fui designado para uma igreja no extremo oeste do país. Entretanto disseram-me que três padres que aqui vieram se envolveram em conflitos de terras e foram assassinados. Porém como não tinham provas concretas os casos foram encerrados sem poder fazer nada contra os culpados.
- Me interessei em vir pra cá para desvendar esses crimes. Para não chamar a atenção de ninguém pedi aos meus superiores autorização para agir como um cidadão comum, modesto e com o dom da palavra como pastor. Desta forma quando cheguei comprei essa terra onde está o sítio. Comecei a criação de caprinos e ovinos e passei a fazer as missas aqui mesmo, deixando a capela só para eventos especiais.
- Com isso em poucos anos, sem alarde e sem prejuízo fui colhendo as provas e mandando discretamente para os promotores e delegados da capital, bem como para os meus superiores da Diocese, de tal forma que com os relatórios bem elaborados todos os oito assassinos foram presos num prazo de oito anos, sem nada desconfiar da minha atuação.
- Depois de tudo me apeguei a este lugar e às pessoas. Sertanejos simples e de bons corações. Com os culpados presos e condenados eu até podia reinalgurar a capela e lá fazer as missas dominicais. Mas observando que toda comunidade gostava das minhas palestras aqui onde podiam vir sem luxo ou ostentação nos vestuários, mantive o meu galpão para essa finalidade.
- Por isso até hoje a minha identidade foi mantida em segredo pela Diocese e pelas autoridades. Felizmente agora posso ir terminar a minha missão de sacerdote ou de bispo em qualquer outro lugar. Principalmente porque tenho um substituto à altura, que poderá trabalhar sem riscos.
Após ouvir o relato do amigo, Padre Antonio com os olhos encharcado de lágrimas e voz rouca e embargado falou:
- Pois é caro pastor, você na faculdade era o meu amigo e companheiro em tantos momentos bons ou ruins. Eu sempre via em você algo muito especial que não conseguia decifrar ou entender. Mas neste exato momento vislumbrei algumas linhas entrelaçadas pelo Pai Criador.
- Doravante quero curtir essa nossa amizade como o seu fã. Você é o meu herói. Você salvou vidas importantes de entes muito queridos vítima desses mesmos assassinos. Um dos assassinados, o Padre João era meu tio. Morreu defendendo os seus fiéis.
- Para que você possa entender o meado da minha vinda pra cá e desse nosso encontro, eu também solicitei aos meus superiores. Fiquei sabendo do desfecho os processos criminais e da prisão dos criminosos, por isso pedi para continuar o que o meu tio começou há trinta anos atrás.
- Senhor Pastor, chamou a empregada. O almoço já está na mesa. Venham para que a comida não esfrie.
O pastor e o padre sorriram e foram almoçar tranquilos.
THE END