Um conto de mim, por eu próprio.

Era começo de noite. Chegava da rua. O sol ainda estava iluminando o mundo, porém as sombras já eram indubitáveis. Era como se o sol se rendesse as trevas deste vale terrível. Como se fosse uma virgem doada em sacrifício. O banheiro estava frio, como se uma gota de morte tivesse sido derramada no piso. A água que tocava meu rosto era dura; friagem causava-me. Quando terminei, e ia me secar, uma súbita – e eloquente – sensação tomou conta de mim. Sentei-me ao chão, acendi um cigarro. Recordei-me de uma garrafa uísque que eu tinha guardada, levantei-me de súbito e fui buscá-la. Somente quando passei pelo espelho do corredor que me dei conta que estava nu. Não liguei. Tomei em minhas mãos um copo, meio trincado, meio inteiro. Achei a garrafa e retornei para meu nirvânico limbo. Traguei, profunda e lentamente, senti a nicotina acelerar meus pensamentos. Tomei um gole de uísque, e resolvi escrever um pouco. Ainda nu, mas agora seco, fui até a sala e peguei um velho caderno. Procurei uma caneta, quando a tive em mãos tomei meu rumo. Era como se o mundo me chamasse. Esse limbo me tornava tolo e outro, totalmente estranho a mim mesmo. A voz secreta, voz esta que fazia pulsar. Traguei e bebi. Bebi de novo, mas não traguei (sabia que eu precisaria de mais tragos durante a noite que corria). Olhei ao meu redor, nada me salvará. Entregue a minha loucura, passei a balbuciar algumas palavras. Como resultado, escrevia um pouco. Ainda não sabia ao certo sobre o que eu estava escrevendo. Estranhamente, eu sabia sobre o que eu não estava escrevendo. Não escreveria sobre crianças. Era muito tarde para falar de seres tão matutinos. Tampouco falaria de jovens ou homens feitos, seres tardios. Não falarei de velhos, porque meu cigarro não duraria para tanto. Sei que não é sobre o amor. Ele é chato e raquítico. Também não farei uma vírgula sobre o amor modernista, Vinicius o fez muito bem. Não gosto de falar sobre amizades, me faz pensar nos amigos que eu perdi. E chorar, a estas horas tão tardias, é ruim. Falar da morte é inútil. Nada do que eu disser mudará os fatos, a morte é a única conseqüência irremediável. É o grande ceifador, que reúne todos em um único rebanho. Prontos para o abate. E o abate não vem, mas sentimos que ele está perto. Só que ele virá cedo ou... Não tão cedo assim. Talvez o sexo. Mas não, melhor não. Pode ser que chamem de anti-moralismos. E sou mesmo! Isto! Vou falar sobre mim. Mas quem iria se interessar por um homem nu, sentado no chão de seu banheiro, com um cigarro, um uísque e um velho caderno. Quem iria comprar a historia de um pescador? De um operário, que mal sabe assinar o próprio nome? Ou que tal a de um caipira, que fala “prô cê”? Basta. Isso não dá ibope! Já que a historia é minha, eu posso ser aquilo e aquele que eu quiser! Eu posso ser o homem que salvou o mundo, ou então, o filho de um marajá. Afinal de contas, o que importa mesmo, não é a historia ser boa. Mas ela ser capaz de entreter a platéia. E acho que vou ser um cara sentado no banheiro. A historia não irá entreter ninguém. Mas ao menos será boa... Vamos lá então:

“São duas horas de sábado...”

"Leiam minha apresentação: http://www.recantodasletras.com.br/cartas/2394709"

Le Vay
Enviado por Le Vay em 28/12/2009
Reeditado em 23/07/2010
Código do texto: T2000114
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