Cartas de Um Viajante - XI

Sinto nesses tempos uma saudade irreparável, como se eu tivesse perdido algo deveras importante, eu tento entender de onde vem essa saudade

que insistentemente me assalta, mas não consigo achar uma explicação plausível, é tudo tão insignificamente e tão desmerecedor... Eu queria ter um coração mais nobre para poder amar com o fulgor e a astucia de um cavaleiro, mas não tenho, meu coração é pobre e sujo como de um servo adulto, meramente conformado com sua efêmera sobrevivência. As estrelas perdem o brilho e o fumo o aroma, tudo não passa de nada.

Talvez a única coisa que me console, seja sentir pela primeira vez a alegria do povo entertido ao som de minha música, ébrios não tem noção do que fazem... Conseguir gostar minhas melodias, gostar do som que sai de minha flauta e de meus lábios... Somente estando bêbado para regojizar os tons entonantes. Entretanto mesmo sabendo da falta de valor de minhas canções eu pude sentir uma alegria que quase reparou este vazio que sinto em meu peito, junto ao vinho que jorrava sobre mim e a cama rija de uma taverna para proteger-me da chuva e da noite... O ouro nada vale.

Cheguei a esta cidade faz pouco tempo, passei apenas até neste momento qual escrevo, umas duas noites,quando cheguei já entardecia e os portões preparavam-se para fechar, os homens são frios e bêbados, as mulheres devassas e sedentas, isso de fato me enoja... Conversei algumas horas enquanto tocava dentro de uma acabada taverna, descobri o caminho para o mar. Isto me trouxe um pouco de alívio, pois logo poderei encaminhar-me para o meu destino... Morrer como indigente. A morte e apenas a morte, prematura e fulgaz pode me apartar desta dor invisível que sinto dentro de meu corpo, isto que me corrói jamais cessará enquanto eu for medíocre, e eu sinto que não serei nada mais do que isso. O Caminho para o mar é longo, porém existe um atalho... Estas palavras "encurtar o caminho" me soam um tanto sombrias, e o caminho qual as leva também. Ter de seguir pelo subsolo e entrar nos túneis e cidades construídas por aqueles que vivem abaixo do solo, nada me agrada... Um medo cresce em mim tão quanto o cheiro que segue por aquele caminho me incomoda. Os avisos que ouvi sobre o "atalho" me fazem ser pocesso d'um medo quase surreal... O que a escuridão esconde? Eu temo saber a resposta.

Eu queria ter uma mão para poder apertar e sentir algo ainda vivo perto de mim... Queria ter onde me apoiar, mas não tenho, tenho apenas um medo crescente, uma solidão imutável e uma nostalgia imprevisível... Tenho um amor distante qual ilusiono e deliro enquanto penso ainda ser amado. Não tenho companheiros, não tenho amigos... Não tenho nada além de mim e uma besta que habita meu ser.

Não ficarei aqui muito tempo mais, realmente preciso seguir viagem, ter o nome marcado de morte não me conforta nem um pouco, apenas me traz angústia e sofrimento, preciso ser rápido e fugir, não quero encarar batalha nenhuma! Não sou guerreiro... Sou apenas um tolo que ainda finge ser sábio, um tolo que entrou numa viajem achando que acharia o conhecimento e acabou conhecendo a ignorância e a desgraça! Ninguém tão inútil quanto eu deveria ser chamado de sábio, eu sou um tolo, sou realmente um tolo, não faço nada da minha vida além de correr e fugir das peripécias que acontecem a mim. Por favor, me deixem morrer em paz! Um tolo serve apenas para isso, morrer... Seja de guerra, de fome, de doença, de vingança.

Não, a vingança é demasiadamente pomposa e digna... Tolos não são dignos... São apenas tolos, reles covardes que jamais quiseram crescer... Um homem que foge de uma mulher não é um homem, um homem que trai sua amada é um tolo, mas ainda assim homem.

Eu vivo em contradições e isso me entristece, eu queria poder achar uma explicação definitiva para isso, mas não acho, ajo de um jeito, penso de outro... Eu já não sei o que faço, porém decididamente agora junto ao cheiro vaporoso que vem do chão desta gruta mental onde me enfio tomarei uma decisão, irei amanhã pelo atalho onde homem algum jamais voltou, apenas irei e verei o mar, deixarei a besta apossar-se em fúria de meu corpo, deixarei o mar engolir minha mente.

Ralph Wüf

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 01/05/2008
Reeditado em 02/05/2008
Código do texto: T970767
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