Cartas De Um Viajante - VIII
Descobri... Da maneira mais ingrata, eu descobri o por quê deste morticínio!
Perdoe-me pela falta de cumprimentos e cordialidade, mas os fatos me obrigam a ser rápido como a flecha lançada às mãos do vento do desespero.
Encontrei-me há algumas noites com os lobos, eles eram ferozes e hostis, senti-me pequenino perto da grandeza daqueles olhos incandescentes de quem luta pela vida... Eles tinham fome, mas não há comida! Eles tinham sede de vida, mas não há vida! Não há nada... A morte, esta qual sempre apelo quando sinto estar a ultrapassar as linhas da miséria, eles a odeiam, lutam e maldizem com todo fulgor restante que ainda arde em vossos interiores... Eles sim são lobos!
Sinto-me encoberto de novo por um grande temor e por uma grande mediocridade, eu mal consigo lutar contra a forças de meu intimo e eles lutam contra quem anda de mãos dadas com a morte e com sua letal foice... Eles lutam contra os "cavaleiros-do-sangue".
Quando encontrei-me com eles era tarde, o sol já havia ido embora e restava apenas a lua e minha fogueira no meio do breu desértico. Fiquei tentando espantar o frio que crescia dentro de minha alma então sentava-me muito perto do fogo onde esperava pacientemente por algo que nem sabia o que era... Ouvi ao longe uma melodia longinqua e aspera. Era um aviso para que eu fosse embora. Desobedecendo tão prudente conselho continuei sentado, sem mover um músculo ou alterar-me, pacientemente esperando até vir um a um com dentes a mostra e bocas abertas e secas, como quem vê a próxima refeição. Eu tremi e senti-me como uma presa acuada frente ao seu predador, encurralada e sem escapatória, entregue às mãos do desespero e da morte... Meus olhos despejavam suaves lágrimas, enquanto eu contia-me o choro e o medo, olhando intensamente dentro dos vitrais cósmicos de cada lobo que desejantes me olhavam, eu me senti a beira do fogo verde e azul dos olhos incandescentes, um fogo vivo, cheio de coragem de quem luta para viver... Eu me senti perdido no meio destas chamas, caindo inerte nas labaredas que lambiam minha alma... Eu senti-me queimar também!
Logo foi uma troca de palavras e ameaças, junto a rosnados investidas famintas contra mim, usei todo meu pouco conhecimento e meu temor para que craisse neles algo que inspirasse confiança sobre mim, por momentos passou pela minha mente metamorfosear-me, mas rapidamente desisti ao ver um rosnado cheio de dentes brancos assumir forma monstruosa ao ver meus pelos eriçarem... Eles eram como espadas feitas de cálcio e marfim!
Um lobo, de pelos mui prata e olhos mui azuis veio em minha direcção, ele era diferente dos outros mesmo perecendo pela fome e pela desgraça ainda possuia pelos que reluziam como a lua no céu de verão e um corpo grande e imponente que davam ainda mais vigor para os olhos azuis como chamas aéreas queimando no céu negro do inverno! Era prepotente e gutural seu tom de voz, interrogava-me com a clareza e a rusticidade dos lideres... Eu tremia e fedia a medo. Um cheiro insuportavel que causa asco a qualquer um que o sente de tão ridículo e irritante que é. Entretanto consegui ainda um pouco gaguejante responder as perguntas que a mim eram feitas, com paciência e temor fui conseguindo aos poucos provar minha inofensividade, devido a minha restante pureza e tolice, até conseguir a confiança (ainda em teste) daquele que era o alfa da alcatéia do deserto da morte. Ele chamava-se Petrunoom.
Petrunoom contou-me uma história de muito tempo atrás, onde perto de onde estavamos naquela noite havia aparecido um vampiro. De corpo enorme e cheiro fétido, escorria das chagas um sangue negro e coagulado, ele logo após desastradamente cair em terra teria se recostado sobre o chão, afundando e penetrando o solo gradativamente com seu miásma tóxico, que mesmo após o vampiro entrar em torpor continuou sendo emanado, matando assim as plantas que ali viviam, secando e envenenando os rios, destruindo do solo seus nutrientes, forçando a fuga desesperada dos animais... Após ter ouvido as histórias na voz pesarosa de Petrunoom fui tomado por um pesar e por uma fúria intensa... Eu vi uma lua no céu, eu vi uma lua nos olhos de Petrunoom, que parecia sorrir ao ver minha face distorcida! Meu corpo queimava, numa ardência descontrolada que me fazia perder os sentidos! Eu novamente vi a fúria com seus olhos de lobo e suas mandíbulas escancaradas sobre minha pele pronta para encravar em mim sua lâmina colereal, num fogo intorpecente de profundeza descomunal! Senti meus músculos se contraírem e meus ossos se estalarem e envergarem, pensei que viraria novamente um lobo, embora a dor desta vez estivesse incrivelmente maior e ainda com um pouco de conciência senti a dor amenizar e pude perceber que ainda estava sobre dois pés embora estivesse com a sensação de estar mais alto e incredulamente envergado e feroz... Eu não era lobo, eu não era homem! Rapidamente fui tomado por um frenesi este qual me impede de dizer detalhes ou acontecidos após disso, as coisas que lembro são apenas vultos e odores, urros selvagens de lobos e de uma besta que parecia clamar pela destruição! Senti e até agora ainda sinto um gosto de carne morta e ferrugem como se eu tivesse destruido algo que eu em conciência jamais teria conseguido ter coragem de ver... Eu senti meu próprio sangue escorrer por minha garganta!!!
Quando tomei a conciência era dia e os raios matinais beijavam a minha fronte... Meu corpo doía, e meu coração muito mais após ver o sangue e os corpos de lobos ao chão, estraçalhados como se tivessem na noite anterior lutado contra uma fera incontrolável... Eu temo por imaginar qual besta fora. Petrunoom veio ferido ao meu encontro, pedi explicações, ele não conseguiu explicar, apenas disse: "Ontem eu vi uma besta lutar contra outra besta, ontem a noite eu vi o nosso salvador e nosso maior algoz contra nós mesmos...". Logo após disso ele rosnou e mandou eu seguir em frente e fugir pois mais "gente" (não foi este termo que ele usou) estaria atrás de mim ansiando minha cabeça fora de meu pescoço, e eu numa próxima vez poderia não ter tanta sorte... Então, temente eu corro, agora sem direcção e veloz como jamais fui. Paro pouco, durmo pouco. Tenho um medo muito forte crescendo em mim e muitos sonhos perturbadores com um lobo vermelho e preto correndo por terras verdejantes quais nunca vi em vida, ou assim penso eu.
Tenho medo e receio muito só de imaginar o que fizera naquela maldita noite! Sinto ainda um gosto amargo e obscuro preso em minha língua. Estou tão cansado e tão assustado... Queria poder me livrar destes temores! Gostaria as vezes de padecer nas presas da fúria! Sentir o êxtase bestial passar pelo meu corpo dorido e correr livre! Eu gostaria que minha carne partisse e eu morresse!
Ralph Wüf