Carta De Um Viajante - VII
Boa noite,
Estou a alguns dias andando em direção ao leste do deserto, alguma água, alguma comida, alguns passos lentos e constantes, pois quem muito corre muito se cansa.
Sinto por vezes o vento fresco correr por meus cabelos e a esperança comover meu árido coração, minha pele arde muito por causa dos efeitos do sol e das audazes escaladas em busca do horizonte marítimo. Dizem que o mar é azul, eu nunca o vi. Dizem que dentro de suas entranhas moram terríveis monstros... Então acredito eu que tenhamos alguma coisa e comum. A lua cheia está se aproximando e posso sentir algo em mim se inquietar, parece que o pouco controle que tenho sobre minha cólera está se perdendo, arrebentando como o delicado fio que pende sob a teia de aranha, segurando o peso de quem o tece dentro de si... Meu sangue ferve, meus músculos se contraem e ardem, não sei, mas temo pelo que pode acontecer...
Ontem ouvi pelo tardar da noite um som distante, porém, familiar, ecoou dentro de meus ouvidos um cântico melancólico que me alertou os sentidos, era um cântico noturno de uivos lupinos, acredito eu em breve estar frente a frente a uma alcatéia, mas eu temo por isso, pois não é provável que eu obtenha alguma ajuda ou informação, pois em suas melodias soturnas não demonstravam nenhuma amistosidade enquanto alguns apenas gritavam: “fome”. Eu não quero lhes ser à próxima refeição, mas me sinto aliviado por haver ainda quem habite este deserto; Pergunto-me por que eles ainda estão aqui, onde nenhum réptil ou inseto conseguem sobreviver devido à tamanha falta de tudo... Seriam eles exilados ou este mar de terra seca teria sido antes um verdejante descampado? Se for isso, será que as mãos dos homens teriam feito tal desordem? Ou outra mão-de-guerra haveria causado tal destruição? Mas Qual?! Infelizmente nem os lobos saibam a resposta. – E muito menos eu, embora um suspiro de medo me cresça ao pensar nisso.
Acredito que não falte muito para chegar até a primeira cidade das muitas que devem anteceder o oceano, este destino qual estou sendo empurrado pelas intangíveis mãos druídicas de Arlid, o assassino definitivo de Finner, o menino, filho adotivo de um agricultor, este qual, seu tio que sempre o ensinara a acreditar em tudo o que vê e temer tudo o que não consegue entender, principalmente mais “vil” das coisas, os sonhos, pois eles são realidades delirantes que tiram o homem de seu caminho. Mas que bobagem! Este menino foi morrendo aos poucos, mas sofreu a primeira punhalada quando olhou diretamente nos olhos do druida Arlid, que o sepulcrou eternamente rebatizando-o de Ralph Wüf.
Meu pelo está se avermelhando (Mas que inútil... E eu ainda me amedronto) não sei se pelo sol ou pelo fulgor que me arde, pois quanto mais eu ando, mais um cheiro me incomoda me causa náuseas e ânsias de fúrias por vezes de tão perturbador... Parece sangue coagulado nas veias de um morto... Mas um morto que ainda se move... Sinto que preciso rapidamente me encontrar com os lobos, tenho medo de encontrar respostas quais, me arrependerei de ouvir devido a confusão crescente e inquietação que se criará, entretanto estas poderiam me abrir uma porta que meu intimo sente a necessidade de encontrar... O que será que está acontecendo comigo? Eu temo entender...
Minhas superstições ainda são fortes e talvez mais reais do que eu preferiria que fossem... Até agora só me resta o silêncio da introspecção.
Até onde meu pensamento tolo, temente, e insuportavelmente crente me levará?
Questionantes e solitárias saudações,
Ralph Wüf