Cartas De Um Viajante - VI
Cartas de um viajante VI
Passou-se dois dias, mais esta imagem permanece em minha mente... O pôr-do-sol.
Como a pequenez dos homens pode ser tamanha? Somos menores do que o nada, mas ainda assim nos achamos tão importantes... Talvez seja esse ímpeto de destruição, de alterar o que há em nossa volta a fim de nossos desejos e nunca adaptar nós mesmo aos manejos da natureza. O pôr-do-sol deu-nos um novo ânimo, pois o vermelho-alaranjado contrastou em nossas peles e espíritos, me vi com os pelos ruivos incandescendo como a chama que renasce das penas da fênix, os olhos brilharam ao verem a grandeza do infinito no qual estivemos submetidos durante tanto tempo. O que seria a morte para o infinito? O que é a morte para o crepúsculo? A hora que o sol morre e dá lugar à escuridão... Tão bela é a morte, tão bela é a despedida para a terra do eterno... Isso me consolou um pouco ao ver as folhas sumirem ao vento... – “Não há luz sem escuridão”. Essas palavras ainda ecoam em minha mente, o cessar dos risos das sombras ao ver o pôr-do-sol, o rosto se fechar e a expressão tornar-se deceptiva; Mas o controlado apenas olhar e ignorar o sentido em sua costumeira estupidez de quem guerreia sem causas ou princípios. O corvo com suas faces cristalinas em lágrimas de quem se emociona com a saudade e a esperança (ou a perda desta); E ver após os olhos tão amáveis se fecharem em adeus, com um sorriso bobo no lábio de quem vê a vida toda passar diante os olhos e não levar consigo nenhum grande ressentimento. Yurius se foi, mas sinto que as folhas outonais sempre me acompanharão...
Arlid apareceu logo após a morte de Yurius, quando o céu já se tornava ultramarino, ele deu-nos água e nacos de comida, algumas roupas novas, papel e caneta. Lavei minhas mãos, e preparei uma nova música. Compus com toda a tristeza que me abatia e com todo o esplendor do céu crepuscular a “Despedida do Outono”. Yurius sentir-se-ia orgulhoso e honrado ao ver as notas antes surradas da flauta se transformar em canção.
Faz um dia que fomos separados pelo druida, minha bolsa foi trazida de volta já remendada, junto onde ponho essas cartas onde desabafo para ninguém os acontecidos à minha solidão, estou viajando em direção aos mares do leste, Ravenus vai ao oeste, enquanto, Marik e Kedad, ainda juntos, vão ao norte. Yurius foi deixado junto ao druida coberto por uma manta branca no topo da montanha aonde se despediu de nós sem poder olhar pra trás (Como também o fizemos...).
Sinto que a viajem se tornará pior, a solidão agora abater-me-á em força descomunal, porém em contrapartida sinto-me aliviado, pois a fúria que vem me tomando não machucará ninguém mais além de minha própria pessoa... Isso de fato me conforta.
Guardarei agora os restos de meus lamentos para o que resta de mim, a noite já vai esvaindo-se junto aos restos de minha baixa fogueira, os músculos ardem, mas não doem... Tenho me sentido melhor nos abrigos gélidos da madrugada ao invés do arder caloroso e claro das manhãs, isso deveras me preocupa e assusta, mas não é assunto para agora tratar de minha covardia, pois entendo eu temer ao abrigar-me nas mãos da escuridão, eu temo fatalmente deixar de ser ainda menino e perder esta minha tolice de poeta e de criança... Eu sei, não há volta.
Melancólicas saudações notívagas,
Ralph Wüf