Carta De Um Viajante - IV

Boa Noite,

Ignore o ar soturno tão quanto eu ignoro a fome correr meu interior, pois de que importa o que vem de dentro pra fora, se de fora nada vem? A ignorância e a falta de importância de nós cinco está começando a incomodar, estamos ligados pelo elo da necessidade que Arlid nos impôs, mas tirando isso não servimos de nada um para o outro... (E talvez eu não sirva de nada nem para mim). Após sairmos do rio e cairmos no deserto estamos cada vez mais distantes, mas juro que não sei o que passa na mente enferma deste druida, pois embora nós tivéssemos sido criados no mesmo teto nunca falávamos mais que o necessário; E o pior... Ainda temo Kedad e enojo Marik. Como alguém pode ser tão frio? Como alguém pode ser tão estúpido? Pensam apenas em poder... Mas também, como alguém pode ser tão tolo quanto eu?!

Deixei meu coração e minha terra indo em direção a uma busca na qual nem sei o que procuro... Mas vejo a hora que correr solto o fogo gélido do desespero e a lâmina da fome atacar as entranhas ainda mais fundo, sozinhos talvez sobrevivamos, mas juntos, apenas um provavelmente sobreviverá... Eu temo um tanto por mim e por Yurius, ele tão meigo e gentil, e eu tão tolo e tão fraco.

Acredito que a próxima lua esteja por vir seja a cheia, espero eu não ser domado pelo espírito lupino da metamorfose, controlo-me muito, mas a fome e a angustia consomem rapidamente o que podem chamar de mente.

Após as águas e o deserto estaremos indo ao poente, onde o sol, dizem, brilha mais rubro. Arlid mandou-nos uma mensagem em nome de uma dríade qual Yurius atendeu, e logo repassando a noticia a nós.

Eu não sei o que esperam e não sei se chegaremos nós cinco até lá. Este deserto no qual nos enfiamos até o pescoço é rijo e cruel, este deserto de sentimentos que se chama egoísmo vem nos consumindo cada dia mais, até nos secas como a seca faz ao gado... Eu tenho tanta fome, mas ainda me questiono sobre as personalidades tão diferentes e evasivas que se encontram diante meus olhos. Ravenus sempre tão quieto e pensativo, não deixa escapar sequer um suspiro; Kedad que vive sempre com o riso irônico nos lábios parece que se diverte sadicamente com a nossa decadência, parecendo ansiar pelo dia em que todos nós morramos... Ele anseia a nossa morte!

Agora me pego vendo minhas condições tão precárias, o pouco couro de meu sapato está tão gasto, minhas roupas tão sujas e rasgadas, e minha bolsa parece que vai se desfiando como a minha esperança... O que anda me preocupando neste deserto qual nos metemos é que não vejo animal algum e por isso acabo me sentindo cada dia mais solitário e esquecido... Mas como pode haver isso?! Um deserto sem abutres ou coiotes, serpentes ou escorpiões, que inferno sem vida é esse?!

O vale da morte talvez... Amanhã pelos meus cálculos estaremos chegando ao pé da cordilheira que se encontra a oeste desse deserto, onde subiremos até o ponto mais alto onde talvez Arlid dê a (des)graça de sua presença.

Mas não sei por qual razão eu estou temente, sinto cada dia um sol mais magro, uma sombra mais forte, uma fome mais intensa... E eu sei, temo perecer nas mãos da escuridão como a lua, que finda às sombras do eclipse.

Sinceros e temerosos cumprimentos,

Ralph Wüf

* Vejo que esta minha bolsa está ficando cheia de cartas... Eu tanto as quero destruir, mas por alguma razão algo dentro de mim sempre me impede...

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 26/02/2008
Reeditado em 26/02/2008
Código do texto: T877280
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