Carta De Um Viajante - III
Olá,
Desprenderei da cordialidade nesta noite; Hoje de fato não é um bom dia e deveras não tenho condição nem tempo de escrever muito.
A fúria, a fúria... Eu a vi, eu a senti. Senti minhas razões perecerem juntas ao meu corpo, suas mandíbulas eram fortes, cortavam, esmagavam e trituravam... Eu vi a fúria.
Minhas pernas trêmulas não sei por qual razão ainda se mechem; As sombras são tão rápidas... As plumas tão leves... Os galhos tão altos... Mas a água ainda é água, ainda anseia morrer no mar!
Ouvi gritos onde não se dava para ouvir nada, eram rugidos guturais tão sofridos, desesperados clamando ajuda, os gritos urravam em raiva... Eu vi a fúria! Ela morde, e conta uma história, ela queima e mostra uma verdade... Somos talvez tão cruéis quanto o que nos destrói, somos egoístas hipócritas que não valem um tostão furado, vivemos idéias enquanto agimos no contrário. As águas purificam e sujam, revelam e escondem... Somos 70% feitos dessa ambigüidade, somos talvez um lar de paradoxos.
Eu vi a fúria e vi a fúria combater a fúria, num quebrar feroz de ondas redentes que nunca se rendem, eu vi os olhos de um homem arder em cólera... Eu vi a fúria arder em meu peito! A fúria enlouquece e faz à justiça da natureza, a fúria é o que a calmaria estática das sombras esconde, o que as folhas levam embora, é de que o corvo se alimenta... Eu vi a fúria e ela tinha olhos de lobo!
E tu caro tolo que ainda perde tempo ao ler esta carta perdida na atual chama da fogueira onde seu tumulo é selado, saiba que eu vi a fúria e a temi, pois pensei que sucumbiria em suas destruidoras mandíbulas morrendo abaixo de seus dentes e dentro de sua garganta... Até que senti a fúria penetrar meu corpo, tirar meu ar, quebrar meus ossos, mas me dar à ira e o êxtase... Eu vi o lobo.
Estou tão assustado, tremo fervendo num frenesi que nunca senti.
Eu vi a fúria, e tive medo, e acredito que tu também deveria a ter, pois somente Gaia sabe o tamanho de sua fúria, e o que senti foi menos de uma fração desta.
Obs.: Lembre-a que foi ela quem me fez arder pela primeira vez.
Ralph Wüf