Carta De Um Viajante - II

Olá,

Se leres esta carta é por que de fato a saudade me abateu e não resisti de contar-lhe minhas passagens, espero que ninguém nunca chegue a ler isso.

Comecei a menos de uma semana, imagino, uma longa viajem acompanhado de mais cinco pessoas, todos nós grandes discípulos da natureza, que em busca de nosso próprio conhecimento saímos do vilarejo de Narium pela manhã, antes mesmo do sol raiar, abandonado sem esperanças de rever nossos entes queridos.

Eu no meu caso, não me importei o fato de deixar para trás família, pois fui criado por um amigo de meu pai, muito generoso por sinal, mas que de fato, não me sinto à-vontade perto dele, pois não me sinto avontade em lugar nenhum... Logo entrei em conhecimento com um grande Druida de meu vilarejo, ele dizia-me pouco, mas significava muito, decidi aprender a arte da natureza, e estava decidido a isso.

Eu ainda era muito jovem, não conhecia nada de nada, cabelos negros curtos e arrepiados, olhos azuis que refletiam como o mais cristalino lago, mãos finas e pequenas, porém caninos afiados... O nome que o caro Arlid me chamou pela primeira vez foi de Ralph, não entendi direito o significado e talvez essa busca tenha em mim esse propósito inicial. Aquele druida sempre me surpreende... Disse que iria nos acompanhar, mas não vejo sua presença embora saiba que ele pode estar na forma de qualquer ave ou planta, ou criatura, que passar pelo nosso caminho. Meu amável pai de criação antes de eu ir de encontro com Arlid pela primeira vez dizia-me muito sobre ele, mas um tanto temeroso, e até imagino o porquê, eu era chamado por ele de Finner, mas esse nome nunca foi de meu agrado, embora eu o respeitasse a o atendesse quando me chamava assim. Cresci entre as outras crianças da vila sem muita interferência, era eu talvez mais solitário que as demais e o mais deslocado, mas entendo mui bem que isso ajudou a me fortalecer (ou talvez me deixar mais covarde).

Um dia enquanto ia caçar vi dois vultos correrem em direção de minha casa, fiquei preocupado, mas de fato não me importei muito, continuei seguindo a caçada, vadeando pelos arbustos e bosques, parecia que os animais estavam assustados naquela noite, pois nenhuma criatura eu vi, então decidi ir até o ponto mais alto dum morro que tem naquela região, o Cadente. E vi ao longe uma noite mui clara, de muitas estrelas, parecia mágico um céu tão esplêndido num dia de tanta desgraça. Sentei-me de costas pro vilarejo e tirei de uma bolsa velha uma flauta talhada a madeira e aço, entoei suaves notas para as estrelas na espera de matar meu vazio, até que de longe ouvi um barulho no mato, me assustei e parei de tocar, alguém me espreitava. Então a conheci, trocamos curtas palavras, ela não era humana, estava toda trajada em verde e segurando mimosas rosas brancas, em mãos tão suaves... Ela dizia estar em viajem e que decidira se instalar em nosso vilarejo. Eu a amei. Poupar-vos-ei de detalhes absurdos deste conturbado amor... Sentimento que ainda me ferve adentro, esta carta direcionada para ninguém deve ser selada em beijos e suspiros quando falo de meu amor por aquela dama, então não lhes direi mais sobre ela, pois o melhor beijo é aquele que morre nos lábios sem nunca ter sido colhido na tristeza de meu vácuo. Sinto-lhes por isso.

Mas voltando, naquela noite, os vultos que eu havia avistado, eram demônios que tinham destruído a casa de meu pai de criação, o matado com severos golpes, e destruído tudo.

Eu me distraí conversando durante a noite e tresnoite-me no cadente das estrelas, e com esse meu descuido salvei-me a vida, mas perdi a de meu pai...

Fui em seguida morar com Arlid em sua pequena cabana, conheci mais quatro órfãos lá, Yurius, Marik, Ravenius, e um, talvez o mais diferente de todos nós Kedad, ele era um menino ainda, mais novo que eu e que os outros, tinha uma pele muito pálida, e um olhar muito sombrio, orelhas pontudas como as de um elfo e longas como tal, presas afiadas e riso irônico, ele realmente me assustava. Logo todos nós crescemos e nos especializamos de começo em algo, Yurius preferiu se comunicar com as plantas, Marik usava a terra e os elementos como uma grande arma de batalha, Ravenius comunicava-se com os corvos e já usava a metamorfose para criar asas ou transformar-se em um, e eu, o pobre Ralph, fala com animais, e muito raramente conseguia algo mais que isso, e quando conseguia era apenas me transformar em um garoto com orelhas e calda de lobo... Agora Kedad, esse sim! Acredito que ele deva ser o favorito e o escolhido de Arlid nesta viajem, Kedad domina as sombras e a escuridão, ele tem um imenso poder, fora que ainda sim, faz as plantes crescerem por onde anda, é incrível, me sinto tão invejoso às vezes. Mas tudo bem... Sou prepotente o suficiente para aceitar isso, pois eu ainda sei de meu pequeno potencial sobre a lua cheia, Arlid talvez não desconfie que eu já consiga metamorfosear, mas toda lua cheira, um lobo aparece no vilarejo e ataca o gado, porém estranhamente onde o velho Mc Irlied morreu, quando a luz da lua bate mais alta sobre a sepultura, um lobo sempre uiva, sempre dá pra ouvir o canto de tristeza que o uivo ecoa pela noite... Ai, ai, às vezes eu me acho tão poeta, às vezes me acho tão tolo...

E agora, você, ou o nada, que estiver a ler esta carta, sabe o passado desse garoto, de 16 ou talvez 18 anos, não lembro ao certo quantos aniversários fiz... E eu já me sinto meio idoso, então não me apego mais as datas. Estou andando pelos montes faz um bom tempo, estamos dormindo sobre a chuva e aplicando nossos conhecimentos, amanhã teremos pelo caminho que Arlid nos ensinou um grande rio para atravessar, o Rio da Fúria, pelo que me parece, suas águas banham em fúria e raiva por todo o sofrimento da natureza, eu temo perecer em suas águas e ao mesmo tempo em que quero correr livre ao fundo de suas mandíbulas, eu quero e temo morrer.

Obs.: Se vires uma dama de castanhos cabelos, verdes vestes, e brancas rosas, avise-a que o lobo sempre a amou.

Comprimentos e sepulcros,

Ralph Wüf.

Ralph Wüf
Enviado por Ralph Wüf em 17/02/2008
Reeditado em 17/02/2008
Código do texto: T863526
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