UMA CARTA IMAGINÁRIA - De Antônio Conselheiro

Sim. Eu sou um retirante dos brejeiros sertões, abandonado pelos altos republicanos que comandam vidas, achando que podem ser donos das almas dos viventes. Eu sigo espargindo no rio de leite e nas ribanceiras de cuscuz, o meu dizer envolto em um grito que sacia a angustia de uma outra forma de fome, a qual pelo mundo inteiro é conhecida e chamada de liberdade. Essa liberdade que vence a própria dor da fome, e que fortalece a fraqueza daquele que de fato nunca foi fraco para se entregar ao castigo desta, mesmo pagando com a vida essa dor sentida. Eu tenho a ardência da poesia estatelada em meu peito, vencendo canhões, punhais e baionetas da ignorância imposta a um povo que só quis alcançar o rio de leite e a ribanceira de cuscuz. Eu vi de perto a fúria guerreira por dizer não a serventia, desse meu povo que não se dobra, que enverga mas não se tora, pela insistência e a fé que o impulsiona viver, pois é força nutrida que vem da terra, do grito dos excluídos, daqueles que assustam um sistema que só aprendeu mandar, sem dar ouvidos a quem merecia ser ouvido.

Entre uma, duas, três e quatro investidas contra esse povo, provocaram um mar de sangue que banhou as águas e as terras do meu sertão, mas não tingiu de incarnado o sonho do rio de leite e da ribanceira de cuscuz que ainda existe e que para sempre existirá nos sertões dos meus sertões até enquanto ainda houver sertões. A branca alma de um povo forte guerreiro, superou o vermelho da gravata da covardia e mostrou ao mundo que a verdadeira degola, foi a ignorância e a insensatez daqueles que sentados acomodados em almofadas de luxo, davam suas ordens carregadas de crueldades.

O Mundo se lembrará de nós, eles?, Eles passarão como feridos passarinhos de asas eternamente quebradas.

Carlos Silva – Poeta, cantador, cordelista, historiador, biografo e Mestre de Culturas populares

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