O mito do inconquistável
Não despeje sobre meus ombros o peso de seus amores antigos, de suas tristes memórias.
Não sou culpada pelo seu passado, eu sequer sabia de sua existência. Ah… se eu soubesse antes, tudo poderia ter sido diferente, eu poderia te poupar dessa sua desoladora maturidade afetiva, que tanto carregas em teu olhar, como um escudo e alerta.
Eu queria tanto te fazer acreditar no amor novamente. Quero te amar do jeito mais puro e leve, distante dos ciúmes e das diferenças. Quero te mostrar que o amor existe e é capaz.
Sei de seus motivos para associá-lo ao sofrimento, entendo que ele ainda reflete o fundo do poço para você, ou até uma brecha de fim de mundo, mas pode segurar a minha mão enquanto se reencontra e se regenera de antigas cicatrizes. Esteja pronto, meu amor. Ainda quero te encher de toda a segurança que você nunca recebeu com decência, sou transparente e vou te mostrar tudo o que aqui falo, com as mais apaixonadas e verdadeiras atitudes.
Seu medo é real e digno de se fazer presente, mas permita-se amar, deixe-se levar mais uma vez, pela última vez. Eu te prometo que serei a única para ti.
Seu coração, preso a sete chaves em seus mais intocados recônditos, não se abrirá facilmente pelas chaves de meras palavras ornadas de uma possível ilusão. Porém, tenha a certeza de que com o tempo, você vai cansar de enxergar o imperativo de amar como um cão dos infernos. Amolecer seu coração e ganhar o troféu da sua entrega e de suas renúncias por mim, será uma tarefa que demandará tempo, eu bem sei. Apenas torço para que eu não canse disso tudo bem antes, porque se não queres me conceder um voto de sua confiança, há quem lutaria e moveria mundos por mim, não tenho tanto tempo a perder.
Profundamente compreendo a raridade de seu caráter, vejo em ti valores preciosos, que de fato não devem ser abertos a qualquer uma que aparecer. Mas sou muito diferente de todas as outras, para muito além de tudo aquilo que você já viu ou ouviu falar. Isso também o tempo se encarrega de lhe mostrar. Só digo uma coisa: eu finjo te aguentar as vezes, engulo palavras que deveriam ser ditas, opto por uma indiferença que estanque uma desconversa, pois não quero reacender sua mágoa, me esforço para te conquistar por completo, ainda que você se gabe de suas habilidades e a todo momento tente firmar sua superioridade ao diminuir minhas opiniões e meus conhecimentos, ao passo em que esconde sua posição ideológica. Você pensa que nada percebo, que vivo em meu mundinho de conto de fadas à espera servil de um príncipe encantado que venha me livrar da carência. Não tenha dúvidas de que sou muito mais que isso, e de que você pouco me conhece. Esteve tão ocupado com seu ego que se esqueceu que ainda vivo sem você.
Você é feito de uma matéria de desconfiança, assim opera sua natureza, como um broquel que te protege dos males alheios. A dor só começa caso você permita um envolvimento emocional, tudo passa pelo crivo de sua autorização. E dessa premissa, surge a racionalidade como intermédio entre o amor e o desamor. Já te falei que sou filiada à ideia de um amor possível, que personifique a honestidade, o respeito e o companheirismo. Os trovadores e os líricos que me perdoem, mas a concretização das paixões por meio dos bons fundamentos é muito melhor e duradoura.
Para finalizar, não se esqueça, em momento algum eu lhe disse que sou tua. Enquanto você está se fazendo de inalcançável, eu estou sendo eu mesma em toda a minha intensidade, e não mudarei um gesto do que sou na tentativa de cativar quem já me demonstrou de todas as maneiras, que ninguém está à sua altura, e que nem o mais cândido dos espíritos merece suas abdicações. Eis a síndrome daquele que não suporta sua condição não-transcendental e que vive no paralelo mundo mítico do inconquistável a todo custo e a toda tentação.