Carta já não Adianta mais

Na era da presencialidade, ou mesmo nos tempos em que os olhos nos olhos diziam alguma coisa, o carteiro tinha muita dificuldade para encontrar o beco Canta Galo, para entregar as correspondências destinadas aos ilustres residentes no morro Amola Faca.

Fidêncio é um dos moradores do espaço, que atualmente chamam de comunidade; mas, perante a ostentação e individualismo, de simples e comum entre os moradores, tem pouco.

Sorte ou não dos carteiros, o virtualismo aposentou as cartas numa gaveta de ferro espesso e após amarrar a chave com caneta e tudo, em uma pedra volumosa, pensou os tempos, repensou o que o passado representava para o presente e ao ver passar a primeira embarcação, lançou o conjunto nas profundezas do mar.

"Adeus, para sempre, velharia. Em tempos de transmissão de dados instantâneos; tempos que ventos sopram na América e mansões e fortalezas tombam pelo sopro, além-mar, cartas não adiantam mais. Vou procurar outra ocupação, pois nasci no dia da utilidade e encontros; ademais, não posso e não devo morrer atormentado pelos desencontros".

Presume-se que se não foram lambiscadas por tubarões ou baleias, as fofocas entre familiares e amigos, bem como as lembranças de amores rompidos e reatados escritos nas missivas, tenham morrido afogados; arrancando lágrimas nas faces dos destinatários e remetentes.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 14/10/2020
Reeditado em 14/10/2020
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