*As tretas da política sergipense

As mutretas da política sergipense

A política brasileira é rica em acontecimentos bizarros e alguns são tão inacreditáveis quanto reprováveis. De cusparadas e rabos de arraias em plenário a facadas e mortes por encomendas, o repertório é variadíssimo. Alguns fatos extrapolam aquilo a que se chama, convencionalmente, de engaçados, para os desesperadamente cômicos, ou trágicos...

Nunca é demais relembrar que na Terra da Luz, Fortaleza, lá pelos anos de 1922, o Bode Ioiô foi eleito vereador da cidade. Trinta e dois anos depois, (1954) em São Paulo, o povo elegeu vereadora, com quase cem mil votos, a fêmea de rinoceronte Cacareco. Certamente, os dois animais sentir-se-iam envergonhados de seus eleitores e, muito mais ainda, de seus correligionários de bancadas. Assim, de paquidermes e caprinos, tudo acaba dando num baita bode.

Em duas cidades sergipanas, quatro partidos políticos oficiosos são reconhecidamente mais populares que os oficiais com registros no STE. Em Lagarto, os partidos que disputam pau a pau os votos dos eleitores são: Sarandaia e Bole-bole. E em Pinhão, só dois partidos são conhecidos: Bacurau e Jacaré.

Corria o ano de 1999, e eu trabalhava em Propriá, cidade sergipana, à margem direita do Velho Chico. Ano de campanha política, onde o Prefeito Renato Brandão (Renatinho) tentava a reeleição pelo PT. Nos quatro anos anteriores, tivera uma administração bombasticamente marcada pela inércia. Não realizara coisa alguma, a ponto de se eleito o pior prefeito do Brasil. Também não sei qual instituto realizou tal pesquisa. Ainda assim, gozava de uma impressionante popularidade, o que me leva a crer que, para muitos, o mau gosto chega a ser virtude e a incompetência, titulo de mestrado.

No Nordeste brasileiro, todos denigrem a política, todavia idolatram políticos, especialmente os mais corruptos. Campanhas partidárias criam escopo de religião e não são poucos os eleitores que brigam diariamente, arranjam desafetos e provocam divisões nas famílias.

Se há uma coisa óbvia é a inexistência do sigilo do voto. Os candidatos a prefeito sabem quem votará contra ou a favor. Em Propriá, por exemplo, em cada porta havia uma bandeira verde, ou vermelha, o que designava que ali todos votavam no PFL(Pefelé), ou no PT.

Para completar esse quadro reprovável, quase que diariamente saíam dois resultados de pesquisa de intenções de votos. Não é difícil imaginar que o primeiro colocado era quem pagasse a pesquisa. O mais surpreendente é que ninguém nunca me perguntou nada sobre isso e nem eu conheci ninguém que tivesse sido entrevistado.

Por esse tempo, havia um radialista que gozava de bem-querença entre os ouvintes da única emissora de rádio difusão da cidade e atendia pelo nome de Ferreira Filho. Tinha um programa pela manhã, onde abordava muitos assuntos e atendia pedidos musicais. Havia se candidatado a vereador pelo PFL, partido de oposição, e não perdia a oportunidade de criticar a gestão malfadada em curso, com grande probabilidade de continuar, o que de fato aconteceu.

Um dia, durante seu programa, uma ouvinte e supostamente sua eleitora telefonou para pedir uma música e lhe fazer rasgados elogios.

- Alô, bom dia!

- Alô! Ferreira Filho que prazer de falar com você. Ainda bem que consegui, pois é tão difícil, devido a seus milhares de ouvintes. Eu gostaria de ouvir a música “Não Fez Nada”, com o Tiririca.

Essa música era uma sátira perfeita que os carros de sons da oposição reproduziam pelas ruas em protesto à administração do Prefeito Renatinho. Ora, era evidente que o radialista não perderia a “deixa” para acrescentar sua pitada de ironia. Depois disso, ele ainda perguntou se a ouvinte tinha mais alguma coisa a dizer.

- Ferreira Filho, eu estou muito contente com sua candidatura, porque você é uma pessoa gabaritada, extremamente competente. Você tem uma visão de futuro, ao contrário de muitos que aí estão, empoleirados no poder, sugando o sangue do povo.

O radialista presunçoso desmanchava-se em agradecimentos a cada elogio recebido. Poucas vezes se vira uma eleitora tão consciente de seu voto e conhecedora de seu escolhido. O candidato não cabia em si, com seu ego adejando.

- Você, Ferreira Filho, não tem medo de falar a verdade, porque você é autêntico. Você vai ganhar, porque o povo sabe escolher o melhor... Você, Ferreira Filho, vai ganhar com certeza...!

De súbito, a cidade inteira prorrompeu numa imensa gargalhada, só comparável à algazarra provocada pelos dos gols da Seleção Brasileira em finais de Copa do Mundo. Não se sabe com qual coragem e tino aquela ouvinte disparara a mais heteróclita das conclusões:

- Você vai ganhar o que a Rita ganhou debaixo da moita, no caminho da fonte! Pum... pum... pum...

Se aquele lenga-lenga era agradável ao radialista, era enfadonho para muitos outros ouvintes. A cidade pareceu despertar de uma letargia que a levou do inferno aos céus em segundos. O inusitado epílogo tornou-se o comentário preferido de todos, eclodido em todas as partes da cidade, durante semanas.

Eu não sei o que a Rita ganhou no caminho da fonte, debaixo da moita, mas a verdade é que o radialista perdeu a eleição.

Bendito telefone orelhão! Se o voto não era secreto, pelo menos o anonimato se escondia por detrás da ligação.

Eu ouvi e agora conto.

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Filosofia de botequim:

As pessoas más são tão importantes na dramaturgia e na literatura, que sem elas a bíblia seria um fracasso editorial.