Sóbrio
De repente você se encontra perdido, naquela madrugada quente, pensando na vida, deitado debaixo de uma coberta, fazendo você suar frio.
Se sente doente, cansado, triste, confuso.
Se lembra das escolhas que fez, se foi tudo certo, se fez a escolha certa.
Eis o grande mal do século XXI, a escolha.
Sartre estava certo, a escolha é uma obrigação, até mesmo quando não se escolhe.
Penso nas pessoas que passaram em minha vida, se estavam elas certas, ou erradas, se te fizeram bem ou mal, se me fizeram bem ou mal.
Fico deitado, fumo um cigarro, talvez dois enquanto bebo de uma cerveja já quente.
Vejo tudo azul, tudo negro, tudo cinza.
A luz acesa de um celular que toca todos os dias as 02:00 da madrugada, ou tocava...
Hoje nem o celular toca mais, nem a campainha toca com uma feliz surpresa, nem mesmo uma surpresa tem.
Me pego pensando nas vidas com quem compartilhei momentos especiais, como diria Cazuza, e seu velho ditado popular, com quem dividi segredos de liquidificador.
Tantas promessas vazias, tantos sonhos jogados fora, tantas oportunidades perdidas.
Aquela viagem à praia, ao interior, ao campo, uma balada a mais ou a menos.
Um sono perdido batendo boca ou uma noite feita de luxuria.
Aquele atraso que deveria ter acontecido, um outro que jamais poderia ter ocorrido.
Uma mentira contada aqui e ali, sempre repetida mais de uma vez, sempre para pessoas diferentes.
Uma verdade que bate dura, forte, grosseira, que só causou caos, quando na verdade o silêncio poderia ter sido uma melhor saída.
Uma solidão enorme dentro de uma vida populosa. Uma alma sorridente, dona de um sorriso amarelo e triste mesmo que considerem bonito.
Uma calma estranha, uma afobação que assusta, um olhar cínico, uma aura de confiança para o próximo, talvez um orgulho bobo sobre algo assustador, que nem sempre deveria ser dito em voz alta.
Me encontro perdido, entre almas que vem e vão, outras que volta e meia aparecem do além, totalmente aquém a realidade que as cerca, que me cerca.
Foco em uma, duas, três, talvez tantas outras que nem mesmo parei pra contar, não sei quanto tempo passei acordado pensando em bobagens de um jovem apaixonado pelo coração alheio. Me torno criança por um instante e tremo de receio...
E se alguém descobre a minha verdade como já fizeram antes?
Um passado que durou menos do que deveria, me condenou inteiro em anos a fio, me ensinou a viver e a me esquecer, a me amar e a me reaproximar daquilo que eu um dia chamei de amor.
Meus segredos, como ficam?
Aquelas coisas que contava para todos, mesmo pedindo para não contar a ninguém, as mentiras que dizia, ficava tentando fazer com que acreditassem que eram pedaços da minha vida. Um psicólogo, um cigarro, uma droga, uma dose de rum, um beijo que aconteceu e não aconteceu ao mesmo tempo. Onde guardo todos se eu ficar sem ter onde correr?
Mesmo sem nexo, mesmo sem juízo, caminho por uma senda as escuras, não sei no que acredito. Não sei se quero estar sozinho, muito menos se quero estar contigo, seja lá quem for entre tantas loucuras minhas, das quais já me esqueci até em quem pensava além de mim.
Me vejo com cigarros apagados, cinzas sobre mim, cobrindo o que resta da minha pele de neve. Coberta em sujeiras criadas por um vicio futuramente fatal, do qual já me deixa sem ar, sem fôlego, sem receio de parecer um drogado e seu crack.
Penso em como consegui arquitetar essa vida de festim, no trabalho que tive em me recriar, me refazer, fugir daquele garoto triste que eu era pra me tornar esse adulto convencido de que tudo no mundo tem um lado bom, quando sou na verdade o maior dos pessimistas que conheço. Desculpe Schopenhauer, mas a verdade é essa.
Escondo atrás dessa vida agitada um tédio sem tamanho, sempre procurando, caçando. A realidade é que eu desaprendi a viver uma vida sem problemas. Preciso de um drama, um problema, uma novidade ruim, um desastre, uma novela mexicana.
Me pergunto porque faço isso, sem nem sequer olhar para as consequências ou sequer para meu passado, é tudo automático. Faço sem pensar duas vezes, as vezes sem nem pensar em uma só vez. Simplesmente sai, a coisa se cria, vira uma bola de neve que só cresce, aprendi a criar esse mundo de festim. O fiz tantas vezes que sei o caminho inteiro de cor.
“- Olá, tudo bem com você anjo?
- Bem e você, risos, tudo bem?
- Sim.
- Você está mentindo né?
- Sim”.
E assim a trilha continua, meu caminho se faz mais uma vez, repetindo como a personagem Úrsula dizia, em uma roda, tudo girando em círculos infinitos, com apenas mudanças simples, pequenas como um nome feminino pode ser.
Só notei agora que isso virou uma carta, longa, chata, permanente em minha mente, sóbria, entediada e sozinha. A pior parte é saber que você mesmo criou isso. No meu caso, eu mesmo.
Aí eu noto que a ultima música que eu ouvi só podia me dizer uma verdade, talvez a minha única verdade, uma essência perdida em algum lugar, jogada no passado dentro das meiguices que eu costumava fazer espontaneamente, enquanto agora são passos calculados, mesmo as vezes nem sendo tão calculados assim.
“Até que você esteja tentando encontrar aquele antigo você
Eu me feri e gritei 'nunca mais'
Magoado em agonia
Apenas tentando encontrar um amigo”.
Será que é só isso mesmo?