Última carta escrita para o meu Papai, quando em vida
Querido Papai,
Na sexta-feira, véspera do teu aniversário, contei uma história a alguns dos meus alunos. Contei-lhes que existia um herói na minha vida. Com paixão, teci minhas palavras a todos aqueles olhos e ouvidos atentos, curiosos a respeito de alguém que, há muitos anos, serviu à pátria em que nasceu.
Falei-lhes do filho que um dia, sob o desejo de poupar lágrimas à sua mãe amada - Silvina, partiu às escondidas, para atender ao clamor de proteção da Pátria Amada Brasil. Mostrei-lhes o sofrimento do pai amado - Salvador Silvia, que fugido da Itália, a caminho da América, descera no Brasil por engano... Lutou e criou seus filhos e mais tarde encantou os netos com um sotaque gostoso e os cabelos bem branquinhos.
Da Vovó Silvina, contei-lhes que até hoje sinto o cheiro do pão de queijo guardado em latas de alumínio e detalhei-lhes a imagem da última foto com a boca entreaberta em susto... Do Vovô Salvador, não me esqueci das uvas, das frutas-do-conde, das pitangas, estas minhas preferidas, acomodadas dentro de caixinhas de Chá Mate (aquelas de madeira, do nosso tempo), do chamego que me fazia... da voz cantarolando Il Sole Mio. Também, não me esqueci de revelar-lhes a forma apaixonada com a qual me olhava - a única netinha de cabelos quase negros e com os mesmos olhos verdes da sua querida amada.
Papai, descrevi (como se possível fosse!) teus inigualáveis olhos azuis e a tua beleza singular. Falei sobre as composições musicais que encantaram Mamãe e sobre o som limpo, puro e magnífíco que saía do teu piston, criado para dançar e criar aos teus lábios... Referi teus ciúmes e cuidados para com as filhas e os filhos queridos. Falei-lhes da honestidade, da luta, dos desafios e das vitórias, que permearam tua vida!
Meus alunos encantaram-se com esse momento de História... e, quando se aperceberam de que falava do MEU PAI, repetiram unânimes, que eu possuía uma relíquia viva na minha família: um Herói da Nação! Emocionaram-se, percebi.
Foi um momento especial...
Mas, esse Herói que representas para meus alunos, toma vulto ao meu coração, pois és o MEU HERÓI! E essa qualidade reservo para mim... compartilhando-a apenas com os meus irmãos... Posso dizer-te, sem medo de errar, que és para nós o exemplo de PAI mais bonito, mais romântico, mais sedutor, mais inteligente, mais honesto, mais ético, mais dedicado à amada... e mais bravo com as nossas artes! Difícil encontrar um homem com tal personalidade e, talvez, por tal razão, tiveste a felicidade de encontrar a mulher perfeita para compartilhar teus sonhos e realidades - nossa linda e sedutora poeta - a inteligente, humana e única MAMÃE!
Pensando em ti, Papai, resolvi ser feliz.
Pensando em ti, lutei pela realização dos meus sonhos.
Enfim, recordando-me sempre das tuas reclamações, VENCI!
Desafiei as dificuldades, para que pudesse um dia ouvir-te dizer que sentias orgulho de mim e concretizei esse desejo às vésperas do dia em que completei 49 anos! Demorou bastante... mas valeu a pena!
Não podes imaginar a felicidade doída que senti no peito!
Não podes imaginar o quanto esperei por aquilo!
Obrigada, MEU PAI!!!
Obrigada, NOSSO HERÓI!!!
FELIZ ANIVERSÁRIO!
Beijos da filha que te adora,
Sílvia Mota.
Rio de Janeiro, 26 de maio de 2001.
Imagem principal:
Meu Papai querido - o pracinha da FEB.
Imagens abaixo:
Cobra Fumando - Símbolo da Segunda Grande Guerra Mundial, que meu pai manteve durante toda a sua jornada nos campos da Itália. Sempre contou-nos, orgulhosamente, de como soube mantê-lo do início ao fim.
Pedaço da farda de papai - Fotografada por meu irmão Miguel, que a descobriu pouco tempo atrás.