Você chegou com o sol: carta

Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 20....



Querido Filho,


Houve tempo em que, ao chegar mais cedo a casa, quando conseguia – em geral vésperas de grandes feriados-, você, meu querido, à época, com quatro ou cinco anos, com o cabelo desalinhado e o rosto feliz, dizia:
- Mamãe, você chegou com sol... E ria, abraçando-me. Logo voltava a brincar e, de instante a instante, vinha me ver.
Aquele era meu momento dourado. Tudo valia a pena. As lágrimas sozinha, por vezes a noite inteira, depois de uma separação turbulenta de seu pai. A volta ao Rio, depois da exoneração de um emprego que hoje resolveria todos os problemas. A condenação de seus avós – minha mãe e padrasto – que se envergonhavam da filha desquitada. Não lhes interessava que o ex-marido bebesse até cair.
Nada importava, tampouco o cansaço de dias inteiro, e, à noite, lecionar. Além disso, ainda conseguia, em intervalos, fazer outra graduação.
Não havia celular então. Por isso, quando tarde da noite eu chegava, a recriminação era certa:
- Teu filho já dormiu. Devias ter chegado cedo.
Eu calava, ante a avó cuidadosa que com você ficava... Palavras... muitas palavras me seguiam e ainda me acompanham:
- Cuidado! Um dia ele – você - vai te cobrar a falta de atenção.
Meu Deus, como podia fazer, multiplicar o tempo pelo tempo. Os ônibus demoravam do Centro até o nosso bairro. E nunca... nunca havia um sorriso, um elogio,
Aquele instante, contudo da chegada, valia a minha vida árida, sem companhia ou afeto, a não ser aquele fragmento do paraíso. Entreguei-me ao trabalho cada vez mais e consegui, sem nada pedir, aos vinte e sete anos, passar de redatora a executiva - geral. Agora, nada faltava a meus pais e a você, como mais tarde enfatizou “materialmente.”
O tempo mostrou-me que aquela felicidade era fugaz. Muitas vezes, porém, ainda você repetiu aquela frase:
- Mamãe, você chegou com o sol.
A mesa farta, a casa redecorada amainaram, em parte, o coração de sua pobre mãe. Eu supria-lhe todas as vontades. Almoços em família, jantares, tudo, regado pelo que queriam. Você se lembra? Como você gostava! Uma imagem, apesar de tudo, doce, para quem - hoje – almoça e janta – só e Deus. No olhar dos parentes, entretanto, eu descobria a condenação. Nas conversas, em voz baixa, eu continuava a ser criticada. Sair, não! Que direito eu tinha? Era mãe de um filho, não podia envergonhá-lo... Nunca o fiz!
O tempo passou...
Você tornou-se adolescente. Um adulto bem formado e qualificado, educado, que, pela força divina, nunca enveredou em outros caminhos.
Um dia, deixando um noivado de mais de três anos – sua avó havia falecido há pouco mais de três meses – você decidiu casar-se com uma linda garota. Você, enfeitiçado, nada ouvia. Assim, fez e, por quase um ano, eu pude vê-lo. Afastou-se, pois como dizia:
- Tenho que viver a minha vida. Querido, você a viveu e vive intensamente.
- Certo dia: soube que o casamento não ia bem e você estava indo à terapia e resolveu passar por esta casa que sempre será sua. Esqueceu, em seu quarto, um questionário:
O envelope estava aberto. Peguei o conteúdo e li. Apenas alguns trechos bastaram.
Eram perguntas relacionadas principalmente à minha forma de educar você. Uma delas você marcou como correta – ante outras que me espantaram – “Minha mãe não me dava atenção, só pensava em trabalho”. “Outra: “Minha mãe só pensa em trabalho”.” Minha
mãe e fazia tudo que eu queria para eu ser feliz”. Eram mais de cinqüenta perguntas que mostravam o quanto eu fui errado.
Filho querido, depois da sua separação traumática, veio para o seu quarto. Não... Não era mais o mesmo. Nada falava. Só o necessário. Sua mãe, a essa altura, demitida (e você nunca entendeu), vivia com “inquilino” de casa. O único ser que te fazia rir era o “Pingo”, o nosso cachorro.
Querido filho, muitas garotas passaram pela sua vida. Algumas pensei que fossem permanecer mais tempo. Não... Mas, agora, você está “casado” e, em breve será papai do Noah.
Não esqueça, querido menino, de:
- Chegar com o sol.
Não quero que, um dia, o Noah diga a você a mesma coisa. E você nem sabe que sei. Sei o porquê de você ter mudado.

De quem te amará sempre,

Mamãe



P/S: Esta carta, não obstante, lastreada em fatos,
- não será entregue. Talvez, um dia, quando eu já estiver em outra dimensão você a descubra. Por isso, ela só tem o dia e o mês de seu aniversário.








Luandro
Enviado por Luandro em 10/03/2013
Reeditado em 10/03/2013
Código do texto: T4180997
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