CARTA DE UM COVARDE
De alguém que escreve da janela de um prédio azul, no último andar
Último andar. Cá estou no último andar. É aqui que eu quero morar?No último andar? Eu sei que não devia brigar como brigo. Sei que devia te olhar mais, te pedir mais. Eu mando, eu sempre tenho a última palavra, eu gosto de ganhar. Eu, eu e eu! Não sei quando penso que sei... A palavra desculpa parece tão boba depois que a gente faz uma besteira muito grande. A palavra vergonha é uma palavra pesada. E pesa em mim. Leandra já me disse isso. O Fábio também... E tanta gente diz isso pra mim. Mas sabe? É difícil reconhecer os erros e os defeitos. É mais fácil apontar as fragilidades dos outros. Lembra-se de quando a Rita acabou se matando? Eu disse que ela era covarde. E muita gente me criticou. Eu falei e apontei isso e aquilo e a sensação agora é de que mil dedos apontam para mim e mil vozes dizem que errei e mil pedras são lançadas contra mim... Eu sei que devia falar menos e ouvir mais... Estou olhando o horizonte aqui da minha janela... Minha janela é o meu mundo! E eu sinto o meu corpo tão leve perto do parapeito... Eu sinto a brisa e as carícias do vento são o que há de melhor... Não dá pra escutar o barulho dos carros. Não dá pra escutar quase nada. Como se as coisas lá embaixo fossem um mundo paralelo. O meu, aqui em cima, é quieto, aconchegante como o colo de mãe... Eu canto uma canção antiga que me diz coisas antigas e me faz lembrar de um tempo que a inocência era tudo... Minha mão quase derruba o computador e estou tão leve... Eu seria covarde também?