CARTA DO DESESPERO
Meus olhos jamais poderiam supor que imagens do absurdo seriam a imagem do cotidiano durante aqueles dias... e ouvi gritos e vi pessoas e lanternas e senti medo e não senti nada naquela noite. Uma chuva intensa caía sobre a cidade e mal sabíamos do que estava para acontecer. Águas pesadas e trovões e clarões assustadores revelavam e impediam a verdade das coisas. Por conta dos clarões dos relâmpagos pude perceber a terra que tomava vida e forma e avançava sobre ruas e carros e gentes. Energia elétrica já não havia. Havia desespero e terror. Havia chuva e anúncio de mais água.
Meus olhos ainda não sabiam que outros cenários se apresentariam e se mostrariam mais absurdos: carros e caminhões dependurados como brinquedos, corpos espalhados pelo chão, lama e lixo e restos de sonhos, casas aos pedaços e água e desolação.
Da varanda de minha casa via a cadeia de montanhas. Da Varanda de minha casa passei a ver os escombros e um cenário de guerra.
Dias se seguiram em que a sensação de se estar perdido era a única certeza. Tudo o mais era como a passagem das águas, rápido e breve...
Meus olhos não se esquecem do que viram e meus ouvidos tampouco e, quando cheiro as minhas mãos o que sinto ainda é a lama, o cheiro forte de lama...