Duas casas bem assombradas
(tomara que existam muitas outras!)
(tomara que existam muitas outras!)
Mareluz,
Ao ler “Reflexões”, mais uma vez, tua sensibilidade – esta virtude, quase não mais encontrada nos dias atuais – faz-me emudecer. Procuro, inutilmente, no vasto repertório da língua portuguesa, palavras que definam, os meus sentimentos, mas, frustro-me frente à própria incompetência... Assim, ao anseio de homenagear a Mareluz, a Maria Lúcia, a mulher Mar e Luz, que sempre se ofereceu ao meu olhar, sob a forma de ondas de Amor e intensos brilhos de Paz, encontro tão somente uma saída: oferecer-te um pouco da minha linguagem musical e pictórica...
Nesse embalo, escolho – e falo por mim, sempre - um dos escritos mais sensíveis, puros e verdadeiros que encontrei no Site da Magriça: “Uma casa bem-assombrada”. Desnudei-te o Ser, através de ecoada leitura e te revelei criança amada e respeitada, adolescente encantadora e, ao mesmo tempo, encantada, pela mágica sensação de Paz e enlevo que a convivência familiar saudável proporcionou-te. Ao ler-te nua, fiz-me crua, mas compreendi o quanto mereceste viver e sonhar – tudo ao mesmo tempo - pelos meandros da Arte!
Sei bem o que pensavas ao escrever aquele texto. Muito mais pessoas tivessem a oportunidade de fruir do Amor, na fase inicial da vida, existiriam, na época em curso, pessoas mais felizes, mais éticas e mais respeitosas para com o próximo. E, então, nobre poeta, coexistiríamos (porque existir é coexistir) num país, que, não apenas na forma geográfica exibiria o formato de um coração, mas naquele Brasil que respeitávamos e que, à nossa época de crianças, ensinaram-nos que pulsaria, sob a missão de ser o Coração do Mundo!
Porque vivi e sobrevivi, hasteada nos mesmos alicerces de Amor que viveste, delineio, de forma rudimentar (minha "arte" na Internet, caminha lentamente... rs) “Nossas casas bem-assombradas”, da forma como, um dia, brincavam nossas mentes fantasiosas. Não consegui encontrar dois príncipes encantados, montados em cavalos brancos, a esperar-nos no portal do castelo...
Abaixo, teu poema que motivou este e-mail.
Uma casa bem-assombrada
Por mais que eu procure evitar
esta casa é bem-assombrada
por fantasmas de Hollywood
desde minha infância.
Cresci vendo em preto e branco e a cores,
todos os mitos andarem pela sala
entre um e outro ponto do tricô
que minha mãe fazia... enquanto "interpretava"
os seus papéis.
Inacreditável, mas até as trilhas
ela cantarolava... pra sentirmos o clima
com mais emoção...
E descrevia com tais minúcias,
que mais tarde, ao assistí-los...
Não consegui dissociar Greta Garbo
das descrições que ela fazia.
E, quando límpavamos a casa...
O Clark... (ele mesmo, o Gable!) sorria irônicamente
da poeira em nossos cabelos..
E o Humphrey Bogart, espiava do lado de fora
com seu misterioso olhar.
Enquanto a Vivian (Leigh) comandava
toda a operação, sem desfazer-se
de seu espartilho e seus babados...
Enfim,um infindável número de mitos
transitava naquele mundo restrito...
Misturando seus personagens
desde o café da manhã..até a noite.
Às vezes desapareciam por uns dias...
até que os reencontrávamos dentro do guarda-roupa
ou atrás do pote de feijão na última prateleira.
Numa frase solta... numa deixa... numa melodia.
E, com o tempo, chegavam os nossos mitos adolescentes
rebeldes sem causa... cultuados,em fotos e posters...
paixões utópicas provocando disputas... sérias e reais.
Aumentando ainda mais a superpopulação de nossa casa
Mas, o que ainda fazia a diferença entre o novo e o antigo,
eram as palavras... poderosas palavras de minha mãe...
Delineando traços, trajes, ambientes,expressões... dramas...
Deixando que nossa imaginação construísse cenas,imagens
e até vozes... roucas, suaves..sensuais...
E, tudo embalado pelas trilhas, improvisadas...
às vezes num fraco assobio.
É por tudo isso, que até hoje minha casa é bem-assombrada.
Só imagino que não deve ser a única por aí...
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 7 de novembro de 2009 – 20h25