Pai,

Pai,

Tudo bem?

Eu não imaginava que em algum dia ainda fosse sentir essa vontade que me veio agora.

Primeiro, pensei em escrever um conto ou algo parecido. Um conto contando sobre os 12 de outubro e você soltando fogos no quintal ao meio-dia. Incluindo falar sobre seu lado criança que sempre admirei, já que hoje é também o dia delas. Mas, quando me sentei aqui na frente dessa tela, te escrever uma carta foi o que me bateu mais forte. Não vou negar que meu peito sentiu o aperto do coração: a sensação de que escrever uma carta leva à espera de uma resposta foi e está esquisita. Ela sabe que é em vão.

Sei que seu tempo hoje é outro, pai. Sei que seu espaço agora me foge à imaginação. Sequer suspeito em que terrenos hoje você pisa, em que quintais hoje você foi ao meio-dia, meia-hora atrás. Sei que Nossa Senhora Aparecida te viu, te sentiu, e continua te abençoando como sempre fez. Provavelmente te viu de um jeito mais nítido, mais próximo.

Não me lembro de qual foi o último ano em que presenciei seu ritual. Até porque você já não vinha fazendo isso em seus últimos anos entre nós. O fato é que invariavelmente é o que revivo neste dia, cena a cena. E é impossível conter o engasgo, a concentração, a saída que meu coração faz desse plano e se senta no degrau da cozinha para te ver no quintal. Fico ali te vendo, pai, por todo o dia, não só quando o relógio indica o meio dele. Os fogos que meu corpo ouve só intensificam esse estágio de semi-levitação, de transe, sei lá.

Seu tempo hoje sendo outro, fico sem saber em que momento você vai poder me ler, ou se vai conseguir. Embora eu não duvide de sua presença aqui sabendo exatamente o que estou fazendo.

Melhor agora eu ir lavar o rosto, continuar conectada a você, mas sem incomodá-lo. Fique tranquilo. Prometo que não deixei crescer a expectativa de que sua resposta chegará pela mão de um carteiro. Não será pelo correio, nem por um e-mail.

Quando quiser, ou puder, me responder, pai, dê seu sinal. Eu vou entender, você sabe que vou. Conta, fala pra mim como foi, nesses três últimos anos, o seu Dia de Nossa Senhora Aparecida por aí, por onde agora você mora. Aí você consegue soltar fogos ao meio-dia? Fico pensando nisso... Se sim, ou se não, te digo que aqui comigo você continua homenageando, respeitando e reverenciando a sua santa de devoção.

Uso as estrelas como referência de brilho, associando aos fogos que no mundo concreto não te vejo mais soltando. "A Estrela Dalva que no céu desponta", como também você gostava de cantar, é a que mais uso. Dia desses ainda te encontro sentado sobre ela...

Vou ficando por aqui, me despedindo nessas linhas, apenas nelas. Nosso contato, nossa conexão, nossa ligação independe de escritos e lidos, nós dois sabemos disso.

Um beijo grande, demorado, sentido e forte em sua bochecha, pai. Fique bem, esteja bem, continue bem. Que seu sorriso infantil permaneça em seu rosto irradiando a sua alma e sua meninice. Que Nossa Senhora te mantenha sob seu manto.

Sua bênção,

da sua Amélia Lúcia

(adoro lembrar da sua voz me chamando assim, do nome que você escolheu e que por um longo tempo somente você usava - compostamente e em bom tom)

12/out/2010

12h29min

Lucia Sant ini
Enviado por Lucia Sant ini em 12/10/2010
Reeditado em 12/10/2010
Código do texto: T2552320
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