A DERRADEIRA CARTA...
“Pois é. Você deve estar se perguntando porque estou lhe escrevendo. É que a vida passa assim, ó, num estalar de dedos e, de repente, a gente percebe o tanto que já se fez e o quanto que deixou de fazer; o quanto que já se disse e o tanto que deixou de dizer... e se toma consciência de que resta muito pouco tempo para se fazer ou se dizer tudo o que gostaria que fosse dito ou feito. Quem sabe nem haja mais tempo (coisa triste, né, querer fazer ou dizer e não haver mais tempo...)!
“Existem fatos na vida que ficam somente como lembranças; outros que desaparecem da memória e outros que ficam para sempre no coração, deixando de serem apenas recordações para serem lembranças vivas. Os que ficam somente como lembranças, eventualmente chegam ao pensamento sem que nos afetem. São somente lembranças. Os que desaparecem, não chegaram a se tornar importantes... não marcaram a vida. Mas os que ficam para sempre no coração, esses, nem os anos conseguem apagar o brilho do que foram um dia.
“E uma lembrança que permanece apesar do tempo é a de uma quase-menina entrando pela primeira vez na empresa onde iria trabalhar e sendo apresentada a um colega de trabalho, um quase-menino também, que se sentava à última mesa do lado esquerdo da entrada da sala, em meio aos papéis e à velha máquina de escrever. E, quando a quase-menina encontrou os olhos do quase-menino, sentiu que era um momento especial. Mas, em sua imaturidade, não podia imaginar que, muitos anos depois, este fato reviveria em sua alma com a mesma intensidade de então. E não só este fato, mas tudo o que acontecera posteriormente – os olhares, o pedido que ela fez ao quase-menino para que este comprasse votos para ajudá-la a se eleger ‘Rainha do Departamento’, e o que ele lhe respondera: que não compraria, pois ela ficaria melhor como rainha na casa dele. O baile no clube da empresa, a volta para casa com ele e o beijo, tímido, dentro do carro, dando início ao que ela mais sonhara: tê-lo ao seu lado! Os passeios à Ilha do Amor, o domingo passado na serra com os amigos dele, que se tornaram amigos dela também; o casamento da amiga dela no Outeiro, ao qual foram os dois; a apresentação de um colega da empresa na Sala de Música... Ele e ela juntos... dois jovens namorados... São lembranças vivas, eternas!
“Lembranças vivas, também, são as daquela tarde de abril, em que o mundo pareceu desabar e o chão se abrir para engoli-la! E, do portão, ela viu o quase-menino entrar no ônibus depois do adeus... e ela não sabia o porquê da despedida... ou, se sabia, preferiu ignorar para não sofrer mais. Olhar para ele todos os dias e sabê-lo tão distante, olhar para ele e vê-lo com outra, estava sendo muito doloroso para aquela quase-menina ingênua e despreparada para enfrentar a dor de perder o seu amor. E ela, depois de um ano de muito, muito sofrimento, pôs de lado seu futuro profissional e pediu demissão. Não suportava sofrer mais. Pensou que, fazendo isso, fosse mais fácil esquecer. O não ver, o não conviver diariamente – pensava – faria com que o amor que sentia fosse esmorecendo até se tornar uma recordação distante. Mas enganou-se. O sentimento permanecia vivo, dolorido, intocável.
“Quem sabe um novo amor? Quando se é jovem é tão fácil amar... E vieram: um, dois, três ‘amores’ que nem eram amores de fato, pois não ficaram sequer como lembranças.
“E, num verão, uma notícia: o quase-menino que havia se tornado um rapaz, estava se casando. Novamente o chão pareceu engoli-la e o mundo pareceu desabar. Chorou como jurara não chorar mais e percebeu que aquele amor do qual estava fugindo ainda permanecia tão vivo e tão intenso quanto antes. Precisava esquecer... precisava. Mas o sentimento teimava em ficar e, mesmo distante do objeto de seu amor, ele marcava presença, porque estava dentro dela.
“Até mesmo quando começou a gostar de alguém, o amor só existia para o quase-menino que havia se tornado um homem. E foi sua vez de casar. Casou gostando, mas não amando, por isso o casamento não permaneceu. E quando seu casamento acabou, o destino fez com que ela reencontrasse o grande amor de sua vida. Mas estava tão marcada e tão sofrida, que teve medo de entregar-se ao sentimento que não morrera.. Ela, separada... Mas ele continuava casado. Por que haveria de iludir-se? E jurou que não se iludiria... Seu sentimento estava ali, dentro dela, pedindo para ser colocado para fora... No entanto ela teve medo! E ficaram os dois – ela e o homem amado – encontrando-se furtivamente, vivendo momentos mágicos (pelo menos para ela). O amor dela gritava para ser ouvido, mas ela o fazia calar. E foram oito anos de mudez imposta.
“Depois veio o afastamento, dessa vez sem dor, porque ela não se permitia mais sofrer. Acomodou-se com a distância e passou a viver de recordações. Telefonava-lhe só para ouvir-lhe a voz, para saber dele, sem nenhuma intenção de forçar uma reaproximação. Ouvir a voz dele lhe fazia bem. Eram conversas rápidas, informais... mas ela se alegrava por sentir que, pelo menos, restara uma amizade, por menor que fosse! E, sem que ela percebesse, o grande amor em seu coração foi se contentando em se tornar platônico, pelo receio dela de que, em sendo exposto, pudesse fazer com que terminasse a amizade.
“Até que, um dia, ela olhou-se no espelho e se viu envelhecer. E se perguntou: O que fiz com este amor tão grande dentro de mim? Por que amordacei seu grito? Por que não deixei que ele explodisse como desejava? E por que ele não morreu, apesar de eu tê-lo feito sufocar sempre?
“E a antes quase-menina encheu-se de coragem e escreveu uma carta para o antes quase-menino, talvez a derradeira – quem sabe? Não que tenha esperança, ilusões ou que pretenda alguma coisa... é que talvez não haja mais tempo para emudecer por mais tempo... e o amor dentro dela reclama ser ouvido e conhecido, porque, ao contrário dela, não envelheceu! E não é justo que o objeto desse amor o desconheça... não é justo fazer isto com esse sentimento que viveu com ela a vida inteira, sempre fiel e companheiro.
“Se, agora, ela terminar de cumprir o seu papel na Terra, pelo menos não levará consigo o grito abafado do grande amor que carregou em seu coração durante toda a sua vida.
“Acredite, estou me sentindo bem mais leve. Esta foi a forma que encontrei para dizer a você do tudo de imenso que você foi e é para mim!
“(Pode ser que não haja mais tempo para calar...)
“Um grande beijo e que Deus te proteja e abençoe.
“Com todo carinho, com todo amor,
Eu”
“Pois é. Você deve estar se perguntando porque estou lhe escrevendo. É que a vida passa assim, ó, num estalar de dedos e, de repente, a gente percebe o tanto que já se fez e o quanto que deixou de fazer; o quanto que já se disse e o tanto que deixou de dizer... e se toma consciência de que resta muito pouco tempo para se fazer ou se dizer tudo o que gostaria que fosse dito ou feito. Quem sabe nem haja mais tempo (coisa triste, né, querer fazer ou dizer e não haver mais tempo...)!
“Existem fatos na vida que ficam somente como lembranças; outros que desaparecem da memória e outros que ficam para sempre no coração, deixando de serem apenas recordações para serem lembranças vivas. Os que ficam somente como lembranças, eventualmente chegam ao pensamento sem que nos afetem. São somente lembranças. Os que desaparecem, não chegaram a se tornar importantes... não marcaram a vida. Mas os que ficam para sempre no coração, esses, nem os anos conseguem apagar o brilho do que foram um dia.
“E uma lembrança que permanece apesar do tempo é a de uma quase-menina entrando pela primeira vez na empresa onde iria trabalhar e sendo apresentada a um colega de trabalho, um quase-menino também, que se sentava à última mesa do lado esquerdo da entrada da sala, em meio aos papéis e à velha máquina de escrever. E, quando a quase-menina encontrou os olhos do quase-menino, sentiu que era um momento especial. Mas, em sua imaturidade, não podia imaginar que, muitos anos depois, este fato reviveria em sua alma com a mesma intensidade de então. E não só este fato, mas tudo o que acontecera posteriormente – os olhares, o pedido que ela fez ao quase-menino para que este comprasse votos para ajudá-la a se eleger ‘Rainha do Departamento’, e o que ele lhe respondera: que não compraria, pois ela ficaria melhor como rainha na casa dele. O baile no clube da empresa, a volta para casa com ele e o beijo, tímido, dentro do carro, dando início ao que ela mais sonhara: tê-lo ao seu lado! Os passeios à Ilha do Amor, o domingo passado na serra com os amigos dele, que se tornaram amigos dela também; o casamento da amiga dela no Outeiro, ao qual foram os dois; a apresentação de um colega da empresa na Sala de Música... Ele e ela juntos... dois jovens namorados... São lembranças vivas, eternas!
“Lembranças vivas, também, são as daquela tarde de abril, em que o mundo pareceu desabar e o chão se abrir para engoli-la! E, do portão, ela viu o quase-menino entrar no ônibus depois do adeus... e ela não sabia o porquê da despedida... ou, se sabia, preferiu ignorar para não sofrer mais. Olhar para ele todos os dias e sabê-lo tão distante, olhar para ele e vê-lo com outra, estava sendo muito doloroso para aquela quase-menina ingênua e despreparada para enfrentar a dor de perder o seu amor. E ela, depois de um ano de muito, muito sofrimento, pôs de lado seu futuro profissional e pediu demissão. Não suportava sofrer mais. Pensou que, fazendo isso, fosse mais fácil esquecer. O não ver, o não conviver diariamente – pensava – faria com que o amor que sentia fosse esmorecendo até se tornar uma recordação distante. Mas enganou-se. O sentimento permanecia vivo, dolorido, intocável.
“Quem sabe um novo amor? Quando se é jovem é tão fácil amar... E vieram: um, dois, três ‘amores’ que nem eram amores de fato, pois não ficaram sequer como lembranças.
“E, num verão, uma notícia: o quase-menino que havia se tornado um rapaz, estava se casando. Novamente o chão pareceu engoli-la e o mundo pareceu desabar. Chorou como jurara não chorar mais e percebeu que aquele amor do qual estava fugindo ainda permanecia tão vivo e tão intenso quanto antes. Precisava esquecer... precisava. Mas o sentimento teimava em ficar e, mesmo distante do objeto de seu amor, ele marcava presença, porque estava dentro dela.
“Até mesmo quando começou a gostar de alguém, o amor só existia para o quase-menino que havia se tornado um homem. E foi sua vez de casar. Casou gostando, mas não amando, por isso o casamento não permaneceu. E quando seu casamento acabou, o destino fez com que ela reencontrasse o grande amor de sua vida. Mas estava tão marcada e tão sofrida, que teve medo de entregar-se ao sentimento que não morrera.. Ela, separada... Mas ele continuava casado. Por que haveria de iludir-se? E jurou que não se iludiria... Seu sentimento estava ali, dentro dela, pedindo para ser colocado para fora... No entanto ela teve medo! E ficaram os dois – ela e o homem amado – encontrando-se furtivamente, vivendo momentos mágicos (pelo menos para ela). O amor dela gritava para ser ouvido, mas ela o fazia calar. E foram oito anos de mudez imposta.
“Depois veio o afastamento, dessa vez sem dor, porque ela não se permitia mais sofrer. Acomodou-se com a distância e passou a viver de recordações. Telefonava-lhe só para ouvir-lhe a voz, para saber dele, sem nenhuma intenção de forçar uma reaproximação. Ouvir a voz dele lhe fazia bem. Eram conversas rápidas, informais... mas ela se alegrava por sentir que, pelo menos, restara uma amizade, por menor que fosse! E, sem que ela percebesse, o grande amor em seu coração foi se contentando em se tornar platônico, pelo receio dela de que, em sendo exposto, pudesse fazer com que terminasse a amizade.
“Até que, um dia, ela olhou-se no espelho e se viu envelhecer. E se perguntou: O que fiz com este amor tão grande dentro de mim? Por que amordacei seu grito? Por que não deixei que ele explodisse como desejava? E por que ele não morreu, apesar de eu tê-lo feito sufocar sempre?
“E a antes quase-menina encheu-se de coragem e escreveu uma carta para o antes quase-menino, talvez a derradeira – quem sabe? Não que tenha esperança, ilusões ou que pretenda alguma coisa... é que talvez não haja mais tempo para emudecer por mais tempo... e o amor dentro dela reclama ser ouvido e conhecido, porque, ao contrário dela, não envelheceu! E não é justo que o objeto desse amor o desconheça... não é justo fazer isto com esse sentimento que viveu com ela a vida inteira, sempre fiel e companheiro.
“Se, agora, ela terminar de cumprir o seu papel na Terra, pelo menos não levará consigo o grito abafado do grande amor que carregou em seu coração durante toda a sua vida.
“Acredite, estou me sentindo bem mais leve. Esta foi a forma que encontrei para dizer a você do tudo de imenso que você foi e é para mim!
“(Pode ser que não haja mais tempo para calar...)
“Um grande beijo e que Deus te proteja e abençoe.
“Com todo carinho, com todo amor,
Eu”